Sandrine Gasabarage Niyonkuru
Sandrine Gasabarage Niyonkuru, uma jovem do pós-memória [1], segunda filha de uma família de 4 raparigas, a primeira nascida no período pós-genocídio.
Quando penso em família, penso em primeiro lugar em algo indispensável. Uma família é essencial, não podemos passar sem ela. Quando se trata de evocar a dimensão emocional da família, Sandrine evoca o binómio que ela explica como amor e preocupação. A família é um objecto de amor porque traz amor e recebe amor mas, ao mesmo tempo, estamos muito preocupados com os nossos. "Cresci numa família de sobreviventes do genocídio, mas a minha mãe e o meu pai foram quase os únicos que sobreviveram das suas famílias. Não sei o que é ter avós, tias ou tios, excepto, claro, para as famílias que escolhemos para nós próprios. Sinto sempre uma ansiedade relacionada com este passado particular, uma ansiedade com a qual temos de viver».
Na minha família, vivemos muito entre nós, porque os meus pais mudaram-se para uma cidade que não é a deles nem a dos seus pais, uma cidade onde nunca tinham vivido antes do genocídio. Vivemos entre nós e por isso conversamos muito, tanto sobre as coisas positivas como sobre as graves.
O quarto das raparigas é um lugar em que estamos frequentemente com a nossa mãe, onde rimos, conversamos, sonhamos e organizamos muitas coisas nas nossas vidas.
A sala de estar e o jardim, são outros dos lugares escolhidos para as conversas da família, sobretudo após as refeições. Estes espaços são utilizados para conversar e rir, mas também onde são resolvidos assuntos sérios, tais como os sucessos ou os fracassos na escola, onde falamos dos nossos boletins escolares e onde são feitas as preleções antes do recomeço das aulas.
Se é a mãe que se ocupa de tudo o que diz respeito às despesas escolares, escolha da orientação escolar, etc., é o pai que nos repreende quando quando surgem as dificuldades na escola, e depois a conversa pode prolongar-se durante horas. Se há um evento social a organizar, como um casamento ou uma grande festa, é a mãe que nos orienta, que nos esclarece, recolhe as nossas ideias e distribui os papéis, mas é o pai que fala connosco quando precisamos de conversar sobre as nossas projeções para o futuro. Quanto às boas resoluções do início do ano, é o pai que marca o ritmo e isso pode durar muito tempo. Qualquer que seja o assunto, somos uma família que discute os assuntos, em casa. Conversamos muito uns com os outros, quase o tempo todo.
A nossa família é cristã, rezamos, e não há qualquer discórdia entre nós porque rezar faz parte dos nossos hábitos familiares. Mas também não há qualquer constrangimento, quer vamos à missa ou não, ninguém cria problemas. Os nossos pais precisam da religião, um pouco para organizar a sua relação com a vida, mas mais, parece-me, para preservar algo da sua vida que foi destruído pelo genocídio. É assim que eu interpreto a relação com a religião na minha casa.
Quando chegar a minha vez de constituir família, farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir que tudo corra bem com a família em que nasci e até com a família que formamos por amizade. Amo muito a minha família, não consigo ver-me a viver sem ela, o homem que eu amar será convidado a conhecer e amar a minha família para que ela o aceite e o ame por sua vez. Gostaria muito que, se eu vier a ter filhos, eles possam conhecer o que eu e as minhas irmãs não conhecemos, ou seja, o amor dos avós. Não tivemos avós e vivemos com essa ausência, os nossos pais falam-nos muitas vezes dos deles, falam-nos da sua infância e eu quero que os meus filhos tenham uma infância com avós, tias, primos... bem, todas essas coisas que nos escaparam.
Se vier a constituir família, vou fazer tudo o que puder para capitalizar o que a vida nos trouxe depois, ou seja, o muito amor que os meus pais nos deram, mas também o dos amigos deles que se tornaram uma espécie de tias, tios e os seus filhos nossos primos, gostaria que todos desempenhassem o seu papel na família que irei formar. Finalmente, espero que Imana (deus no sentido ruandês) esteja do meu lado.
[1] Marianne Hirsch designa assim as crianças nascidas após os grandes cataclismos, para sublinhar que este género de acontecimentos tem o seu peso na geração seguinte.