Publicidade e confiança  Os pontos cegos da atenção

Sessão de fotos para um anúncio publicitário com Cristiano Ronaldo, astro do futebol.
Sessão de fotos para um anúncio publicitário com Cristiano Ronaldo, astro do futebol. © picture alliance / Photoshot

Os meios através dos quais a publicidade acessa a psique humana permanecem exatamente os mesmos há anos. Desde os primórdios era evidente: a confiança vem da familiaridade.

Na Alemanha, os nomes usados eram Klementine, Antje, Tilly, Karin, Dr. Best e Herr Kaiser – todos vistos como membros da família da categoria de tias e tios. Afinal, eles estavam presentes na sala de estar de casa com uma frequência quase maior que os próprios parentes mais próximos. À noite, no horário nobre da TV, recomendavam uma determinada marca de sabão em pó, queijos holandeses, café ou um seguro – e, de quebra, também uma visão de mundo. Não é difícil reconhecer que as mulheres, ícones da publicidade na época, tentavam, com seus nomes, se aproximar do telespectador através da aparência simpática e dinâmica da dona de casa – em um ambiente “naturalmente” feminino. Já no caso dos homens, é preciso recorrer primeiro ao Google para ficar sabendo que Dr. Best – aquele que apertava a escova de dentes para dentro de um tomate, para demonstrar o quanto ela era dura ou macia quando entrava em contato com a gengiva – era, na verdade, um dentista estadunidense e se chamava Earl James. Foi assim que os nascidos entre 1945 e 1964 tiveram seu primeiro contato próximo com as técnicas usadas pela publicidade para estabelecer uma relação de confiança com os telespectadores – e o cálculo funcionou.

Nos Estados Unidos, “Madge” fazia propaganda de detergente

E funcionou também graças a pequenas adaptações às diferenças culturais. A personagem dos anúncios conhecida na Alemanha como Tilly (“Você está mergulhando as mãos em detergente?” – “Não, em Palmolive!”), chamava-se Madge nos EUA e no Canadá. Na Dinamarca, era Marisa; na França, Françoise. Desde os primórdios da publicidade era evidente que a confiança vem da familiaridade. Uma vez estabelecida essa familiaridade, “o monopólio na psique do consumidor” estava praticamente assegurado. Foi assim que o artista gráfico e psicólogo Hans Domizlaff descreveu, na década de 1930, a meta da “técnica de marcas”.

Mesmo que profissionais da publicidade falem hoje mais de branding e brand trust, no lugar de confiança na marca, pouca coisa mudou desde então no que diz respeito às ferramentas com as quais a publicidade consegue acessar a psique humana. No fundo, trata-se dos pontos cegos da nossa atenção – só que, hoje em dia, eles são denominados “bias” (viés), o que pode ser entendido como “distorção cognitiva”. Um exemplo seria o “efeito da verdade ilusória”: tudo o que se vê ou se ouve com frequência passa a soar familiar e, assim, certo ou verdadeiro apenas porque aquilo foi visto ou ouvido muitas vezes. Isso diz respeito tanto à publicidade de carros quanto às declarações de Donald Trump ou aos testes de múltipla escolha. Só porque uma resposta nos parece incrivelmente familiar, acabamos por marcá-la repetidamente. Mesmo sabendo que se trata da opção errada.

Jalecos brancos conferem autoridade

Ainda há o “viés de autoridade”: temos a tendência de acreditar em pessoas que têm autoridade – ou naquelas às quais atribuímos autoridade. Neste sentido, a propensão a acreditar nessas pessoas aumenta quanto mais convincentes sejam as insígnias de especialista que apresentam. Por isso, a publicidade de produtos dentários mostra com tanta frequência pessoas usando jalecos brancos, enquanto aquela de eletrodomésticos ou carros exibe profissionais de macacão em ação no trabalho.

O “viés de grupo” desempenha também um papel importante. Trata-se aqui da necessidade de pertencer a um determinado grupo exclusivo. Por exemplo, quando usamos a cápsula de café promovida por George Clooney, bate a sensação de estarmos degustando a bebida com ele. Ou quando compramos as cuecas apresentadas por Cristiano Ronaldo, temos a impressão de profunda afinidade com o jogador de futebol: “usamos a mesma roupa íntima”. Na onda do viés de grupo surfam há muito tempo obviamente as hordas de influencers, como Safiya Nygaard, por exemplo, uma das estrelas de mídias sociais mais bem pagas do mundo.

 

Esperança na varinha mágica do encanto

A série Bad Beauty Science, veiculada pelo YouTube, tem aproximadamente 10 milhões de assinantes. Consta que a estadunidense de origem indiana-dinamarquesa Safiya Nygaard recebe em torno de 200 mil euros por cada postagem. O faturamento resulta da ideia de que, ao adquirir os produtos promovidos pela influencer, as seguidoras são também tocadas pela varinha mágica de seu encanto. No entanto, nas mídias sociais fica claro que a publicidade pode acabar sendo vítima de suas próprias armas. Pois, pelo visto, quem consome prefere encontrar a publicidade ali onde ela sempre esteve, ou seja, onde ela é mais conhecida. Segundo uma enquete global realizada recentemente pela empresa de pesquisa de mercado Nielsen em 56 países com mais de 43 mil entrevistados, a maioria esmagadora das pessoas acha a publicidade nos jornais, na TV e no rádio mais confiável que aquela veiculada em anúncios de influencers nas redes.

Quando a confiança se esvai

Na maior parte (89%) dos casos, contudo, quem consome prefere seguir recomendações de pessoas conhecidas, amigas ou de parentes. Lembrando provavelmente que, quanto mais confiamos e quanto maiores as promessas de que devemos confiar em algo, maior a decepção quando isso falha. Como por exemplo no caso do escândalo envolvendo as falsificações de emissões de poluentes por parte da Volkswagen, em 2015, ou na falência de bancos em 2008. São experiências que causam uma desilusão semelhante ao rude despertar de quem se apaixonou por um golpista e só depois percebe seu erro e vê toda a confiança nele depositada se esvair. Quando as máscaras caem, a estabilidade da moeda confiança também despenca e tudo sai caro. Reaver a confiança demanda uma quantidade imensa de tempo, energia, dinheiro e outros esforços em prol do convencimento. Quem consome acaba tendo sempre um pouquinho de saudades dos tempos das moças Tilly-Madge-Marisa-Françoise da TV, quando tudo era melhor. Até mesmo a publicidade. E assim acabam caindo em mais uma distorção cognitiva: a ingênua idealização do passado.

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