Roteiristas enfrentam inteligência artificial em Hollywood  Caneta versus código

Detalhe e manipulação de “WGA Strike 6.21.2023 032”.
Detalhe e manipulação de “WGA Strike 6.21.2023 032”. Creative Commons 2.0 via usuário flickr “ufcw770”

No dia 2 de maio de 2023, o Writers Guild of America (Sindicato dos Roteiristas dos Estados Unidos – WGA) entrou em greve, depois que as negociações com os grandes estúdios de Hollywood falharam. Uma das questões centrais era a capacidade dos estúdios de usar IA. No início, parecia um debate informal sem precedentes claros. Mesmo aqueles na linha de frente dos piquetes duvidavam que a greve surtiria ganhos significativos no enfrentamento à ameaça da IA, mas os roteiristas são especialistas em criar narrativas.

A liderança do WGA enquadrou sua retórica em torno de um conto clássico de Hollywood: Homem versus Máquina (Matrix, O exterminador do futuro). E, depois de 148 dias de piquetes nos portões dos estúdios em Los Angeles e Nova York, a humanidade saiu vencedora. O contrato de três anos que resultou da ação não apenas impôs restrições substanciais à capacidade de um estúdio usar IA, mas também abriu as portas para que os roteiristas pudessem usar a IA como ferramenta criativa. O WGA se posicionou com uma liderança incrivelmente competente, com mensagens focadas e disciplinadas. Em cada etapa da greve, o copresidente do comitê de negociação, Chris Keyser, ia postando discursos apaixonados no YouTube, lembrando aos membros a razão pela qual estavam lutando e por que isso era importante. Por mais justa que fosse a causa do WGA, ela viveria ou morreria dependendo de sua capacidade de gerar uma narrativa.

Copiando forma e estilo dos autores

A estimativa de que aproximadamente 30% das horas de trabalho nos Estados Unidos  se tornarão automatizadas por volta de 2030 torna premente a questão: Por quais empregos vale a pena lutar? Artistas podem não ser considerados os trabalhadores mais essenciais, mas é uma profissão que já está na mira. Recentemente, um grupo de escritores, incluindo John Grisham, George R. R. Martin e Michael Chabon, entrou com uma série de ações judiciais contra a OpenAI, a criadora do ChatGPT, por “roubo sistemático em larga escala”, visto que a ferramenta treina sua linguagem usando material protegido por direitos autorais. O professor de filosofia  Darren Hudson Hick, que escreveu livros sobre a filosofia dos direitos autorais, descreve esses processos como “estertores da morte”: “Os modelos de linguagem de IA são particularmente insidiosos – não apenas porque seus métodos não se prestam facilmente ao recurso legal, mas também porque podem ser solicitados a replicar o estilo de um autor identificável. Isso é intuitivamente mais invasivo e pessoal do que simplesmente copiar seu trabalho palavra por palavra”.  Hoje em dia, há uma corrida mundo afora, em que chamados “autores” oportunistas estão inundando a Amazon com “livros” criados a partir do uso de IA, plagiando forma e estilo de autores que passaram décadas aprimorando seu ofício. Alguns artistas afirmam que as obras de IA são inerentemente derivadas e, portanto, inferiores. Mas quem já ouviu um disco de Prince sabe que combinar gêneros pode fazer evoluir uma mídia.

Então, toda a esperança está perdida?

Os artistas estão condenados a serem deixados para trás pela IA, que se torna mais poderosa a cada dia? Felizmente, quando se trata de seres humanos experimentando a arte, o contexto importa. A abordagem mais elegante desse tema vem do filósofo alemão Wilhelm Hegel. Ele acreditava que a beleza da arte supera a beleza da natureza porque depende da experiência exclusivamente humana de autorrealização e compreensão do seu lugar no mundo. Em outras palavras, a natureza lida com o material, enquanto a arte feita pelo ser humano lida com o universal. Por mais superficiais que possam parecer os gostos do consumidor médio de arte, os humanos estão sempre dispostos a se conectar com a humanidade de um criador.

Imagine que você está em um museu. Na entrada de uma galeria, uma placa diz: “Todas as peças foram criadas por IA”. Você se maravilha com a variedade e a mistura de gêneros. A complexidade é inspiradora, e você comenta com seu amigo como a IA é impressionante. Em seguida, você vai para a próxima galeria, onde uma placa semelhante diz: “Todas as peças desta galeria TAMBÉM foram criadas por IA”. Neste ponto, as habilidades da IA rapidamente se tornam uma novidade, distinta das belas artes feitas por humanos. Na ponta comercial do espectro artístico, um filme de super-heróis da Marvel é um produto corporativo, baseado em dados de usuários e grupos de foco para maximizar a experiência do público. Mas os nomes nos créditos finais ainda importam. O fato de existirem atores humanos reais importa. Afinal, quando um filme é péssimo, é infinitamente mais satisfatório criticar criadores humanos do que um algoritmo.

Isso significa que os seres humanos sempre precisam de transparência?

Não necessariamente. Qualquer estrategista político experiente sabe que as pessoas são essencialmente criaturas sociais e não buscam necessariamente a verdade. Um candidato com um histórico imaculado sempre perderá para aquele que sabe contar uma história. Isso vale também para o capitalismo. Visite qualquer página de produto na Amazon e há uma história que mostra por que você precisa desse item – bem como sobre como ele se alinha com quem você é. Mas como você confia que um grão de café é realmente orgânico e que seu comércio é justo? Aqui é onde as corporações superam qualquer tipo de força regulatória, e o desejo do consumidor por um contexto essencial desaparece. Quando você entra em um Taco Bell, você não pergunta o nome do chef. Enquanto isso, o TikTok, com seus algoritmos assustadoramente capazes, oferece aos usuários um golpe de dopamina potente o suficiente para fazê-lo esquecer seus problemas, mas leve o suficiente para não fazê-lo se importar com o lugar de onde o conteúdo está vindo. Mas como as pessoas que trabalham com atividades criativas que querem ganhar a vida competem com essas máquinas corporativas? Utilizando todos os meios à sua disposição – seja legislação, sindicalização ou campanhas nas redes sociais. Qualquer pessoa cuja profissão esteja em risco devido à IA tem o dever de contar uma história que prove que, dentro do mundo utópico que os defensores da IA prometem, sua profissão é distintamente humana.

De qualquer forma, o WGA teve sucesso em construir sua história, arrebanhar uma ampla cobertura da mídia  e obter o apoio de sindicatos irmãos como SAGIATSE e  Teamsters, cuja solidariedade foi essencial nas negociações. Mas o símbolo mais importante da vitória veio com o perfil no diário New York Times de David Zaslav, o executivo mesquinho da Warner Bros. Discovery, que se tornou um formidável vilão na narrativa do WGA. “Eles estão certos em quase tudo”, admitiu Zaslav. “Então, e se pagarmos a mais? Nunca me arrependi de pagar demais por um grande talento ou um grande ativo.” Há quem possa ler isso como um golpe indireto de um executivo com um salário impressionante de 246 milhões de dólares (em 2021). Mas a verdade mais pungente é que Zaslav está sinalizando que seus clientes exigem um produto que dependa do talento humano. Será que essa narrativa vai perdurar com suas próprias forças? É altamente duvidoso, mas essas são as vitórias que se deve buscar e pelas quais se deve lutar.

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