O júri decidiu: um Urso de Ouro para Mati Diop, um Urso de Prata para a Alemanha. O último festival sob a direção de Chatrian e Rissenbeek foi decididamente político e diverso. E daqui para frente?
De alguma forma, no fim, a Berlinale ainda consegue surpreender um pouco. A premiação máxima com um Urso de Outro para Dahomey foi a segunda consecutiva a um documentário na história do festival. A diretora franco-senegalesa Mati Diop aborda em seu filme a restituição de arte africana saqueada. Diop acompanha 26 peças em uma viagem de um museu parisiense a seu país de origem, o Benim, chamado anteriormente de Dahomey. Em pouco mais de uma hora, Diop consegue tratar com precisão questões complexas sobre o tema da restituição. Uma realização artística notável, um tema político explosivo – esses são, por si só, bons pré-requisitos para um Urso na Berlinale.Ursos para coproduções africanas
Dahomey foi uma das três coproduções africanas exibidas no festival. Com isso, o continente marcou uma presença excepcionalmente forte na mostra competitiva – até que enfim, isso aconteceu. Outra coprodução africana pouco convencional também saiu premiada: no longa Pepe, o já falecido hipopótamo que dá título ao filme conta como saiu da África até ir parar na Colômbia, em um zoológico particular do narcotraficante Pablo Escobar. Um experimento cinematográfico ousado, pelo qual o diretor Nelson Carlos De Los Santos Arias, da República Dominicana, recebeu merecidamente o Prêmio de Melhor Direção.Os Ursos para Dahomey e Pepe demonstram que o júri voltou seu olhar para o cinema africano, que continua pouco representado em grandes festivais. E nem é preciso mencionar que Mati Diop é a primeira mulher negra a ganhar um Urso de Ouro. E que a atriz e diretora queniano-mexicana Lupita Nyongo'o foi a primeira mulher negra a ocupar a posição de diretora do júri da Berlinale em toda a história do festival. Ou seja, uma declaração evidente da Berlinale a favor da diversidade.
Muita diversidade nos Ursos de Prata
Se Dahomey com seus 67 minutos foi o filme em competição mais curto de todos, Sterben, de Matthias Glasner, foi o mais longo, com 180 minutos. Em três horas altamente emocionantes, o diretor revela uma história familiar complexa a partir de três perspectivas diferentes. Corinna Harfouch, Lars Eidinger e Lilith Stangenberg nos papéis principais estão excelentes em todos os sentidos. Glasner recebeu merecidamente o Prêmio de Melhor Roteiro por essa história marcadamente autobiográfica. Atrizes e atores também teriam merecido um prêmio.Ao receber o Grande Prêmio do Júri por A Traveller's Needs, o próprio diretor Hong Sangsoo se declarou surpreso: “Não sei o que vocês viram no meu filme, mas estou curioso para ficar sabendo”, declarou o cineasta. Com humor e leveza, o filme conta a história de uma mulher francesa – interpretada por Isabelle Huppert – que dá aulas de idiomas na Ásia. L'Empire, de Bruno Dumont, um filme pouco ambicioso, mas por vezes divertido, é um espetáculo de ficção científica, no qual alienígenas travam a eterna batalha entre o bem e o mal – justamente em uma pacata cidade litorânea francesa.
Berlinale política
De maneira geral, a mostra competitiva deste ano, com 20 filmes de 30 países, proporcionou uma ampla visão da produção cinematográfica internacional. A programação foi sólida, embora um tanto quanto aleatória na seleção. Um hipopótamo no papel principal aqui, um filme trash de ficção científica ali, muita mistura de gêneros e estilos – mas uma obra-prima, um filme que nos fizesse sonhar com o cinema, não ocupou as telas desta vez.Durante o festival muito se falou de política. Após a polêmica que envolveu o convite a representantes do partido de extrema direita AfD para participar da noite de gala na abertura do festival, bem como sua subsequente retirada, os diretores Carlo Chatrian e Mariette Rissenbeek se posicionaram publicamente contra o ódio e o extremismo de direita. O conflito no Oriente Médio foi também tema de vários debates. Na noite de gala de encerramento, alguns dos premiados foram aplaudidos ao criticar abertamente as ações de Israel – sem que enquadrassem os ataques terroristas assassinos do Hamas ou se distanciassem dos mesmos. Uma postura que pode prejudicar a Berlinale: mesmo sendo considerada um festival político, ela não deveria se deixar levar pelo ativismo unilateral.
Após essa quinta e última edição do festival com direção de Chatrian/Rissenbeek, pode-se dizer retrospectivamente que foi um período difícil, para não dizer infeliz, para o duo: a pandemia de Covid-19, a guerra de ataque da Rússia contra a Ucrânia, o ato terrorista do Hamas – todos esses acontecimentos projetaram suas sombras sobre o festival.
E daqui para frente?
Do ponto de vista da arte, o que fica desse período de cinco anos com Chatrian e Rissenbeek à frente da Berlinale? A principal mudança foi implementada bem no começo por Carlo Chatrian: o enxugamento da mostra competitiva e da programação geral como um todo. Na edição deste ano, foram exibidos em torno de 230 filmes; na época do antecessor Dieter Kosslick, havia praticamente o dobro de exibições. Isso fez bem à Berlinale. Mas, mesmo assim, Chatrian e Rissenbeek pouco puderam fazer para combater os principais problemas que acometem o festival: a concorrência de Cannes e Veneza, de um lado; e as ofertas de streaming, de outro; bem como a data próxima à cerimônia de premiação do Oscar e o desolamento do centro do festival na Potsdamer Platz.A partir de abril próximo, a estadunidense Tricia Tuttle vai assumir a direção do festival. Como ela vai organizar a Berlinale? Diretora experiente, ela já conseguiu recentemente um aumento considerável no número de espectadores do Festival de Cinema de Londres. Seus planos concretos só serão conhecidos, contudo, depois que ela assumir o cargo. Há muita curiosidade a respeito. Mas, como a própria Tuttle disse certa vez em entrevista: “Qualquer pessoa que trabalha com festivais sabe que não dá tempo de se familiarizar com as coisas, que seguem em ritmo alucinante. Você tem ótimos planos, mas depois sai tudo de outro jeito ou dá errado e você dedica seu tempo a reagir ao que aconteceu”.
Fevereiro de 2024