Berlinale 2023  Um belo retorno à normalidade

Vicky Krieps em “Ingeborg Bachmann – Viagem ao deserto“, de Margarethe von Trotta.
Vicky Krieps em “Ingeborg Bachmann – Viagem ao deserto“, de Margarethe von Trotta. Foto (detalhe): Berlinale 2023 © Wolfgang Ennenbach

Estrelas de Hollywood, 19 filmes de 19 países na mostra competitiva e Kristen Stewart na presidência do júri: precisamos de mais alguma coisa para ficarmos contentes com o Festival Internacional de Cinema de Berlim?

A volta à normalidade é provavelmente o melhor reinício que a Berlinale já teve em toda a sua existência como festival. Quem não se lembra de 2021, aproximadamente um ano depois da eclosão da pandemia de Covid, quando o Festival aconteceu aos pouquinhos – primeiro o encontro digital do setor, depois o evento público de verão. Em 2022, amantes do cinema puderam frequentar regularmente as salas de projeção, mas com o uso obrigatório de máscaras e ocupando os lugares na sala como em um jogo de xadrez. Após dois anos de exceções, a Berlinale pode finalmente voltar a seu funcionamento regular e o público pode comparecer às salas de cinema sem ser afetado pelas complicadas medidas de higiene relativas à Covid.

Fazendo justiça às realidades

A curadoria do festival avaliou 7431 inscrições. Em 2022, foram 6755. Com 283 filmes provenientes de 67 países, a seleção da programação é, porém, consideravelmente menor se comparada aos anos anteriores à pandemia. Isso só pode fazer bem à Berlinale, que durante muito tempo foi criticada por ser complexa demais e superdimensionada.

Desde o início de sua atuação em dupla no comando do festival em 2019, Mariette Rissenbeek e Carlo Chatrian abriram as portas da Berlinale para formas estéticas inovadoras e visões diferentes. A nova sessão competitiva Encounters exibe este ano 16 filmes, dentre os quais In Water, do antigo mestre sul-coreano da direção Hong Sang-soo. Pela primeira vez será concedido o prêmio da Berlinale para séries, um reconhecimento importante da importância crescente deste formato.

Diversidade na seleção

Provenientes de 19 países, 19 produções concorrem ao Urso de Ouro e aos Ursos de Prata na competição internacional, dentre elas 15 estreias internacionais. “Na seleção deste ano, tivemos a impressão de que a realidade voltou”, declarou o diretor Carlo Chatrian, ao divulgar a programação. O grande documentarista francês Nicolas Philibert está representado pela primeira vez na mostra principal: Sur l’Adamant (On the Adamant) retrata o cotidiano de um centro diurno de atendimento a pessoas adultas com transtornos psíquicos. Já o longa canadense BlackBerry, de Matt Johnson, traz uma divertida visão retrospectiva dos padrões de comunicação dos anos 1990.

Também há grande expectativa quanto aos dois longas australianos que enfocam de maneiras bem diferentes o destino da população aborígene: The Survival of Kindness, de Rolf de Heer, sob a forma de parábola, e Limbo, de Ivan Sen, no formato de história policial.

Pessoas em situações limite, histórias familiares, filmes de gênero, melodramas – a programação principal deste ano apresenta uma diversidade promissora tanto sob o aspecto formal quanto de conteúdo.
“Suzume”, de Makoto Shinkai, Berlinale 2023, Mostra competitiva “Suzume”, de Makoto Shinkai, Berlinale 2023, Mostra competitiva | Foto (detalhe): © 2022 “Suzume”, Film Partners. Com Suzume, de Makoto Shinkai, que já é um sucesso nos cinemas japoneses, e Art College 1994, de Liu Jian, da República Popular da China, dois filmes de animação conseguiram até entrar na competição.

Forte presença de produções alemãs

O cinema alemão comparece com cinco contribuições – uma cota excepcionalmente elevada. A famosa e polêmica diretora Margarethe von Trotta volta à competição da Berlinale após 40 anos – depois de apresentar o filme Heller Wahn (Sheer Madness) em 1983. Sua obra atual, Ingeborg Bachmann – Reise in die Wüste (Ingeborg Bachmann – Viagem ao deserto), ilustra o relacionamento da escritora austríaca com o suíço Max Frisch.
Timocin Ziegler, Thea Ehre, em “Até o fim da noite” de Christoph Hochhäusler Timocin Ziegler, Thea Ehre, em “Até o fim da noite” de Christoph Hochhäusler | Foto (detalhe): © Heimatfilm, Berlinale 2023, Mostra competitiva. Já o filme Irgendwann werden wir uns alles erzählen (Someday We'll Tell Each Other Everything), de Emily Atef, é uma história de amor erótica entre uma jovem e um agricultor consideravelmente mais velho. Em Roter Himmel (Afire), o diretor Christian Petzold, habitué da competição internacional, foca na história de quatro pessoas em uma região de florestas propícia a incêndios. O filme de suspense de Christian Hochhäusler Bis ans Ende der Nacht (Até o fim da noite) e Music, de Angela Schanelec, um road movie com referências soltas ao mito de Édipo, completam o bloco de filmes alemães.

Palco aberto para estreias cinematográficas

A intenção é exibir “perspectivas jovens” e “uma competição com filmes não avessos a riscos”, explica Carlo Chatrian.  Consequentemente há três cineastas estreantes com filmes na categoria principal. Em 20.000 especies de abejas (20.000 Species of Bees), a jovem diretora basca Estibaliz Urresola Solaguren explora o relacionamento entre uma mãe e sua criança.
Greta Lee, Teo Yoo, em “Past Lives”, de Celine Song Greta Lee, Teo Yoo, em “Past Lives”, de Celine Song | Foto (detalhe): © Jon Pack, Berlinale 2023, mostra competitiva. Celine Song (Estados Unidos) concorre com Past Lives, filme comparado pela crítica especializada com a trilogia Before, de Richard Linklater. Por fim, em Disco Boy, de Giacomo Abbruzzese, o excepcional ator alemão Franz Rogowski faz o papel de um legionário bielo-russo no delta do Níger.

Desafios em tempo de crise

A Berlinale confere um foco especial à situação nas grandes zonas de guerra e crise, especialmente na Ucrânia e no Irã. Veículos de comunicação e cineastas desses países que têm ligações estreitas com o Estado não foram convidados para o festival. A Berlinale quer demonstrar solidariedade em tempos difíceis, mas também “abrir um debate” –  por exemplo, com Superpower, filmado pela estrela de Hollywood Sean Penn juntamente com Aaron Kaufman, sobre o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Estrelas no tapete vermelho

Além de Sean Penn, muitas celebridades internacionais anunciaram sua presença no festival deste ano: Anne Hathaway e Robert Dinklage participam do filme de estreia, She Came to Me, de Rebecca Miller. Kristen Stewart preside o júri internacional; Steven Spielberg, diretor e vencedor do Oscar, será homenageado pelo conjunto de sua obra. Espera-se que, entre outras pessoas, Cate Blanchett, John Malkovich, os músicos da banda de rock irlandesa U2 e seu cantor Bono e a antiga estrela do tênis Boris Becker também estejam em Berlim. Esses são mais motivos para se comemorar a nova velha Berlinale. Pois, honestamente: o que seria de um festival sem suas estrelas?

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