Séries alemãs  “Druck”: meio irreverente, meio imperfeita

Os atores da série juvenil “Druck” foram selecionados de acordo com a semelhança entre eles e seus personagens. Muitos dos atores são amadores.
Os atores da série juvenil “Druck” foram selecionados de acordo com a semelhança entre eles e seus personagens. Muitos dos atores são amadores. © Richard Hübner/ ZDF / funk

A série “Druck” (Pressão), voltada para o público jovem, aposta em um elenco autêntico e trabalha, por isso, com atrizes e atores amadores. Assim, o personagem transgênero é interpretado por um jovem transgênero: uma ideia bem-sucedida.

Por Lucas Barwenczik

Druck (Pressão) é o nome da nova série de sucesso alemã para jovens. Ela narra as histórias de um grupo de adolescentes que está prestes a fazer o “Abitur”, prova que permite o ingresso nas universidades do país. Produzida pela rede de televisão de direito público, Druck não é exibida apenas na TV tradicional e nas mediatecas online. Desde seu início, em março de 2018, a série também está sendo mostrada no canal ZDFNeo e integra o catálogo de ofertas online das emissoras ZDF e ARD, a “funk”, e sobretudo no YouTube, onde tem grande alcance, contando com mais de 60 milhões de visualizações.

Fãs de Druck gostam especialmente do realismo da série, que trabalha com um elenco pouco conhecido, mas justamente por isso mais autêntico. Um personagem transgênero, por exemplo, é interpretado por um jovem transgênero. Conversamos com Pola Beck, que dirigiu muitos dos episódios, e Julia Penner, a principal roteirista da terceira temporada e também uma das roteiristas da quarta, sobre a seleção de atrizes e atores, a forma como as reações de fãs são integradas na série e o que outras produções podem aprender com isso. 

A série “Druck” tem uma comunidade internacional de fãs. Por que ela também funciona fora do país, ao contrário de outras produções alemãs?

Beck: Druck é baseada na série original norueguesa, Skam, e fãs dela tinham curiosidade para ver a adaptação alemã. A comunidade LGBTQ também ajudou na divulgação. Não há muitas séries para jovens, nas quais se conta a história de um personagem transgênero. As pessoas estão sedentas de séries nas quais se sintam representadas, especialmente quando os temas são narrados de forma honesta e autêntica. 

A autenticidade foi um fator muito importante para a seleção do elenco e a criação de personagens?

Beck: Sim. A maioria das atrizes e atores são pessoas leigas. Selecionamos várias delas por sua semelhança com personagens.

Penner: Também fizemos workshops, nos quais as atrizes e atores puderam conhecer bem e internalizar seus papéis. Existe um tipo de formação de elenco que é baseado em tipos, mas se as pessoas escolhidas representassem apenas a si mesmas, tudo seria completamente diferente. Não acredito que teriam atuado tão bem. 

Beck: Uma parte do sucesso da série vem do fato de que as atuações não são tão “elaboradas”. As atrizes e atores trazem algo de dentro de si, meio irreverente e imperfeito. Uma grande parte da linguagem também foi introduzida na série pelo elenco. Na terceira temporada, o tema é a história de um garoto transgênero, então escolhemos de propósito um jovem transgênero para sua interpretação: Lukas Alexander. Uma das minhas cenas favoritas na temporada é quando seu personagem David se assume e confessa a seu namorado Matteo: “Sou um menino, só tenho que me esforçar um pouco mais para isso”. Uma fala de cortar o coração e que vem originalmente de Lukas, por exemplo. Isso não quer dizer que as atrizes e atores determinaram suas falas, mas elas foram o resultado de nossa convivência positiva.
O personagem transgênero David se abre, entre outros, para seu namorado Matteo (dir.): “Sou um menino, só tenho que me esforçar um pouco mais para isso.” O personagem transgênero David se abre, entre outros, para seu namorado Matteo (dir.): “Sou um menino, só tenho que me esforçar um pouco mais para isso.” | © ZDF/Bantry Bay/Gordon Muehle As séries em geral deveriam se tornar uma mídia mais colaborativa para poderem falar sobre identidades e posições específicas?

Penner: Da perspectiva dos autores, os workshops são muito úteis. Eles possibilitam escrever mais especificamente para cada pessoa. Em parte, inventamos situações e pudemos testá-las imediatamente nas improvisações. Para mim, isso foi um grande benefício e eu gostaria de continuar a utilizar esse processo em outros formatos e temas. Mas é claro que tudo depende do projeto.

Vocês recebem bastante feedback na internet, especialmente da comunidade LGBTIQ. As reações de fãs exercem algum tipo de influência na série?

Penner: Na terceira temporada, transformamos o David em um personagem transgênero porque um fã deu início a uma petição e disse que seria legal se esse personagem fosse trans. Então a resposta é sim, com certeza.

Beck: As discussões sobre o conteúdo da série continuam nas mídias sociais. Isso é integrado em nossas conversas. Quando alguma coisa é interpretada erroneamente ou recebida de maneira negativa, nós nos perguntamos como devemos reagir. No começo, isso ainda era algo especial, mas, em algum momento, tornou-se apenas parte do processo.

Penner: Mas também não fazemos tudo de acordo com as propostas que recebemos. Houve muitos pedidos para a quarta temporada, por exemplo, para que Amira se revelasse lésbica. Nossa decisão foi contra essa proposta.

As pessoas que protagonizam a série nasceram na geração Z. Vocês acham que elas se diferenciam das gerações anteriores ou os problemas de teenagers são, na verdade, universais?

Beck: É claro que algumas coisas são universais, mas acho que o público está mais aberto, pelo menos em relação às questões LGBTQ.

Penner: O esclarecimento e a visibilidade são definitivamente maiores. Em geral, tenho a sensação de que essa geração se ajuda mais mutuamente. Isso também se reflete em movimentos como o “Fridays for Future”.

Isso quer dizer que essa é uma geração particularmente política?

Beck: O engraçado é que a primeira temporada começa com um monólogo em que se diz que essa geração seria apolítica. O primeiro episódio foi transmitido em março de 2018 e agora, um ano e meio depois, muita coisa aconteceu. 

A quarta temporada acaba de ser exibida. O que vocês desejam para o futuro da série?

Beck: Desejo que, aconteça o que acontecer, a série continue trilhando esse caminho corajoso.

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