Fala-se frequentemente da imensa influência da Escola alemã em todo o planeta, inclusive na América do Sul. Mas quanto há de verdade nesta afirmação?
Neste ano de 2019, ao celebrar os 100 anos de fundação da Bauhaus, fala-se com frequência sobre o alcance global da Escola, generalizando-se sobre a importância e a relevância da mesma em diferentes contextos, inclusive no sul-americano. No entanto, é preciso distinguir de maneira mais detalhada essa suposta influência, já que nem os conceitos pedagógicos, nem aqueles relacionados ao design dos objetos, nem concretamente as teorias arquitetônicas propagadas pela Bauhaus, encontraram uma ressonância direta e homogênea em toda a América do Sul.As ideias da Bauhaus despertaram grande interesse e foram diretamente implementadas em países como Chile e Argentina por diversos caminhos: através de ex-alunos que haviam passado pela Bauhaus na Alemanha, como Santiago Larraín e Tibor Weiner; por meio dos próprios ex-professores da Escola, que emigraram ou passaram pela América do Sul, como por exemplo Josef Albers e Walter Gropius; ou através do intercâmbio de ideias como aquele se deu, entre outros, entre Walter Gropius e a escritora argentina Victoria Ocampo.
Na prática da arquitetura é possível reconhecer a influência da Bauhaus em edifícios como o do hotel e restaurante Ariston, hoje lamentavelmente em ruínas, construído por Marcel Breuer entre 1947 e 1948 em Mar del Plata, na Argentina. Mas há também uma tendência a generalizar e designar muitas construções com determinadas características com a denominação “estilo Bauhaus”. Tenta-se, aqui neste ensaio, fazer uma análise mais precisa da influência da Bauhaus no continente sul-americano. Concretamente, no contexto da prática arquitetônica, pretende-se contribuir para um questionamento do paradigma do mito do “estilo Bauhaus” na América do Sul.
Cubos brancos, telhado plano: Bauhaus!
A ideia da existência de algo como um “estilo Bauhaus” na arquitetura sul-americana tem a ver com a utilização de uma linguagem depurada, sendo esse conceito utilizado para denominar construções criadas a partir da década de 1920 até hoje. Ao “estilo Bauhaus” relaciona-se principalmente a utilização de volumes cúbicos brancos e de um telhado plano, bem como a transparência e um escasso ou inexistente uso de ornamentos.No entanto, por um lado, não existe um consenso sobre a existência de algo como um “estilo Bauhaus”, menos ainda levando-se em consideração que a Bauhaus, em suas fases distintas e com todas as suas contradições e facetas, se negava a definir-se como “estilo”. Walter Gropius, primeiro diretor da Escola, afirmava que a aparência de um edifício deveria resultar da Wesensforschung, ou seja, da investigação sobre a função específica à qual o objeto estaria destinado – neste caso concreto, um prédio. Esse preceito foi implementado no próprio edifício da Bauhaus, construído em Dessau em 1926 por Gropius. Nessa conhecida obra – apesar de todas as críticas contemporâneas sobre sua verdadeira funcionalidade e transparência – distinguem-se, já claramente na fachada, as cinco funções contidas na edificação. Segundo Gropius, o prédio deveria se desenvolver como um organismo de dentro para fora. Assim, a aparência dos diferentes edifícios seria diferente, dependendo da função de cada um.
Quando se tem em mente a rejeição ao conceito de “estilo” por parte da própria Bauhaus, então a ideia da existência desse “estilo Bauhaus” como tal, supostamente encontrado na América do Sul, torna-se questionável. Nem todo edifício cúbico branco e isento de decoração na América do Sul foi automaticamente inspirado pela Bauhaus. A Escola alemã, tanto quanto os projetos de outros arquitetos e movimentos artísticos na Europa e nos EUA a partir do final do século 19, aparecem no contexto de uma rejeição à imitação de formas do passado e da realização de ideais diferentes. Mesmo considerando que as ideias da Bauhaus chegaram, sem dúvida, à América do Sul, nem todas elas foram de fato implementadas no continente de acordo com os conceitos da Escola.
Um exemplo da Colômbia: a Cidade Universitária
Neste contexto, pode-se falar no caso concreto do arquiteto alemão Leopold Rother (1894-1978), que, em fuga do nazismo, emigrou para a Colômbia em maio de 1936. Em julho do mesmo ano, ele foi contratado para construir um novo campus e vários edifícios da então nova Cidade Universitária da Universidade Nacional da Colômbia em Bogotá. Trata-se de um projeto denominado por Rother como o “mais importante de sua vida”.Ouve-se com frequência comparações entre os prédios projetados por Rother para a Cidade Universitária e as edificações da Bauhaus em Dessau, especialmente no que diz respeito à redução aos corpos brancos e ao jogo com diferentes volumes. No caso dos alojamentos estudantis, a implementação de uma planta irregular por Rother, além da colocação de sacadas, podem ser comparadas ao que foi feito nos alojamentos estudantis do prédio da Bauhaus em Dessau. No entanto, nos alojamentos da Universidade Nacional colombiana, a irregularidade da planta não resulta de uma distinção entre as funções, como foi o caso do edifício da Bauhaus, mas é fruto apenas de motivações estéticas e opções de design. Ambos os prédios possuem a mesma planta invertida, que se articula sobre um eixo de maneira simétrica. Ainda que na fachada estejam refletidas algumas das funções de seu interior – especialmente a articulação demonstrativa das escadas –, isso não significa que os prédios tenham sido criados a partir de suas funções.
Rother não foi aluno da Bauhaus, mas chegou à Colômbia embebido das ideias da Escola alemã e de seus enfoques modernos. Entre suas atas como professor da Universidade Nacional, está uma cópia da planta da sede da Bauhaus definida por ele próprio como “um exemplo importante para a arte moderna”. Na construção dos primeiros edifícios da Cidade Universitária em Bogotá, sim, encontram-se reminiscências das edificações da Bauhaus em Dessau em suas fachadas, mas por trás dessas fachadas se escondem construções tradicionais. No caso dos prédios colombianos, a aparência não foi determinada pela função.
Mesmo que as ideias da Bauhaus tenham encontrado ressonância na América do Sul, elas enfrentaram também condições difíceis em um ambiente específico, bem como um panorama arquitetônico no qual se combinavam de maneira complexa muitos aspectos da tradição com uma incipiente modernidade com diversas vertentes. É preciso revisar o mito da grande influência global da Bauhaus e de conceitos como o “estilo Bauhaus”, especialmente na celebração dos 100 anos de fundação da Escola.
Março de 2019