Stockhausen ou Wagner, tanto faz: compositoras e compositores reconhecidos do século passado afirmam ter buscado em sonhos a inspiração para suas obras. Uma conversa com a musicóloga Magdalena Zorn sobre sonhos como fonte de inspiração, autorrepresentação de artistas e sobre como realmente soa a música sonhada.
Sua pesquisa gira em torno da relação entre música e sonho. De que se trata exatamente?
O que me interessa é saber de onde surge a ideia para uma peça. Na musicologia, em geral damos ênfase a estudos sobre o material, as notas e como elas soam – mas não sobre a inspiração.
E de onde vem a inspiração?
Se examinarmos as declarações de compositoras e compositores, a inspiração parece vir cada vez mais dos sonhos. Desde a era precedente à secularização, artistas relatam com frequência que suas ideias lhes foram ditadas por um poder divino ou originadas a partir de experiências religiosas. A partir do século 19, isso mudou, mas artistas ainda continuam a declarar que suas ideias vêm de uma autoridade externa à própria pessoa – e, portanto, também de sonhos. Conhecemos o fenômeno da literatura: Paul Valéry, com seus registros de sonhos, ou o Surrealismo, que utiliza o sonho como importante fonte de inspiração.
Como esse desenvolvimento pode ser explicado?
Minha constatação principal é que o sonho serve frequentemente de legitimação para possibilitar a realização de determinadas ideias compositivas – muitas vezes incomuns – e conceder a essas composições uma veracidade autobiográfica. Isto é, quando um compositor – no contexto da música formal, só conheço homens – pode provar que sua obra vem das profundezas do seu interior, que ela foi, por assim dizer, ditada em sonho por instâncias maiores, isso traz um caráter imperativo e necessário a suas ideias. Algo que ultrapassa a ele mesmo.
Com isso, não se eleva a própria obra?
Sim, com certeza. Aí também há bastante autoestilização. Na pesquisa muito diferenciada sobre autobiografias conduzida no âmbito das ciências literárias, isto é reconhecido como um elemento central: que escritoras e escritores se referem a vivências imediatas a fim de encenar uma experiência reveladora que transforma a obra em algo especial. Fazem parte desse tipo de obras, por exemplo, as experiências de infância de Goethe ou as vivências religiosas reveladoras de Santo Agostinho. Os sonhos se encaixam nessa mesma categoria.
Quais são os compositores para os quais os sonhos assumem um papel especial?
Na segunda metade do século 19, Richard Wagner foi um dos primeiros a utilizar os sonhos frequentemente como inspiração para suas composições. Ele também afirma que só na “clarividência do mais profundo sonho universal” é que pode ter se manifestado a Beethoven seu estilo de composição contínua – que Wagner continuou a desenvolver. No século 20, Karlheinz Stockhausen exerce um papel importante. Em sua peça Trans, de 1970, ele compõe pela primeira vez uma cortina musical: uma densa trama de sons de instrumentos de cordas, atrás da qual se abre a música do além. Isso é representado assim inclusive no palco.
Richard Wagner compunha a partir de inspirações que lhe vinham em sonhos.
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Quando uma pessoa que compõe música afirma que sua inspiração vem de um sonho – o que acontece na verdade?
É difícil de dizer. Se alguém diz que ouviu alguma coisa em um sonho, entramos no terreno autobiográfico. Se é verdade, ninguém sabe. Também não é possível dizer se alguém pensou durante semanas sobre uma nova composição e por isso sonhou com ela – assim como, nos sonhos, elaboramos coisas com que estamos lidando –, ou se alguém sonha algo primeiro e depois integra em uma composição. Grande número de compositoras e compositores realmente diz: “Ouvi o que compus em um sonho”. O desafio nesse caso é reproduzir o irreal, a imagem sonora onírica, com recursos reais.
É possível transpor tão diretamente as inspirações dos sonhos? Como isso funciona?
O interessante é que, sendo uma esfera visual, o sonho dita claramente a quem compõe impressões acústicas. Eu mesma nunca ouvi nada em sonhos. Talvez nos sonhos aconteça um acoplamento sinestésico de impressões auditivas e visuais, ocasionando que a música se apresente de forma quase visual, sendo então traduzida na realidade como impressões audíveis. Pesquisas neurológicas mostram que as percepções musicais e visuais estão conectadas. Os olhos e os ouvidos convergem no córtex associativo, a compreensão musical é portanto auditiva e visual. Talvez em pessoas musicais uma impressão onírica em forma de som permaneça na memória. O que elas então levam do sonho é uma tradução para a realidade sonora. Um argumento a favor da interpretação sinestésica – isto é, que considera que as composições oníricas conectam o visual e o auditivo – é que as peças em questão do século 20, por exemplo, Trans, de Stockhausen, ou Match, de Mauricio Kagel, têm fortes componentes visuais: são conceitos cênicos desenvolvidos para os olhos.
Também Karlheinz Stockhausen, um precursor da música eletrônica e da Música Nova, foi inspirado por sonhos.
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É possível apreender isso musicalmente, isto é, podemos ouvir se uma peça surgiu ou não a partir de um sonho?
A peça Trans, de Stockhausen, por exemplo, utiliza uma técnica compositiva muito avançada que pode ser ouvida, e esse incrível caráter avançado caracteriza todas as composições oníricas. O sonho concede a permissão para adentrar um novo terreno musical. Diz-se que Tristão e Isolda, de Wagner, por exemplo, tem origem em um sonho. Nessa ópera, há uma melodia infinita em que tudo se conecta com tudo através de uma corrente sonora, ou seja, não há divisões em números avulsos.
Janeiro de 2022