A história queer latino-americana estende-se por gerações que produziram nomes famosos, entre eles Juan Gabriel, Frida Kahlo e Chavela Vargas.
Por 45 anos, o cantor e compositor mexicano Juan Gabriel fascinou o público do mundo inteiro com sua bela voz, seus textos comoventes e suas aparições encantadoras e extravagantes. A essas apresentações, ele deve o título “o divo de Juárez”.Do início de sua carreira até sua morte, em 2016, Juanga, como era chamado por seus fãs, esteve exposto a especulações sobre sua possível homossexualidade. Quando, numa entrevista concedida em 2002, foi insistentemente questionado pelo repórter a respeito de sua orientação sexual, deu uma resposta que resumiu a diversidade de interseções entre queer e latinidade através das gerações: “o que vê não se pergunta”.
A teoria da carne
A ambiguidade da resposta, que não permite determinar a orientação sexual de Juan Gabriel, dá uma ideia de como pessoas queer latino- americanas lidam com sua identidade. Uma identidade definida pelo que Gloria Anzaldúa e Cherríe Moraga chamam de “teoria da carne” em sua publicação This Bridge Called My Back: Writings by Radical Women of Color (Esta ponte chamada meu dorso: escritos de mulheres não-brancas radicais), e que definem da seguinte maneira:Uma teoria da carne é uma teoria em que as realidades físicas de nossas vidas, nossa cor de pele, a terra ou o concreto do ambiente onde crescemos, nossas preferências sexuais, ou seja, tudo se funde para criar uma política surgida a partir da necessidade.
Com sua extravagância e seus gestos queer, Juan Gabriel mostrava de maneira inconfundível quem era. Sua trajetória artística abarca 45 anos, um repertório de quase duas mil canções e centenas de apresentações diante de um público entusiasmado. Juan Gabriel era adorado por fãs de todas as orientações sexuais e até mesmo os machões convictos ficavam comovidos e eram levados às lágrimas por suas canções.
Histórias queer através das gerações
O amor que o público latino-americano dedicava a Juan Gabriel não foi um fenômeno excepcional da época, mas está, na verdade, vinculado à história queer. Também Frida Kahlo, uma das artistas mexicanas mais populares, não fazia nada para ocultar sua natureza queer. A lista de seus casos amorosos vai desde a famosa pintora estadunidense Georgia O'Keeffe até a talentosa performer Josephine Baker. Durante toda sua vida, Kahlo gozou de admiração internacional e, graças a isso, teve a possibilidade de apresentar sua arte pelo mundo.Frida Kahlo e Chavela Vargas
![Frida Kahlo Frida Kahlo](/resources/files/jpg829/kahlo-formatkey-jpg-w245.jpg)
De poncho e violão: Chavela Vargas conquista territórios masculinos
Vargas deixou a Costa Rica aos 17 anos, mudando-se para o México. Daí em diante, vestia roupas masculinas, rendia-se ao álcool e cantava rancheras mexicanas de maneira inigualável. As rancheras são canções normalmente entoadas por homens e conhecidas por seus textos melancólicos e dilacerantes sobre perdas e decepções amorosas. Vestida com um poncho e munida de sua guitarra, Chavela, quase sempre bêbada, cantava tristes rancheras que deixavam seu público sem palavras e comovido até as lágrimas.Casos hollywoodianos e decadência
Não muito tempo depois, Chavela já se embebedava com José Alfredo Jiménez, o pai das rancheras mexicanas, que impulsionou ainda mais sua carreira. Durante essa época, ela teve vários casos com mulheres e frequentemente se gabava das atrizes de Hollywood que se apaixonavam por ela quando passavam as férias no México. Mas o alcoolismo e sua incapacidade de controlar sua agressividade acabaram por se voltar contra ela, que desapareceu da ribalta por quase 30 anos.Retorno com final feliz e comprometimento
![Chavela Vargas Chavela Vargas](/resources/files/jpg829/chavela-vargas-formatkey-jpg-w245.jpg)
Esta confirmação de sua homossexualidade – bem como no caso de Juan Gabriel – não foi uma surpresa: Chavela sempre foi fiel a si mesma.
Juan Gabriel, Frida Kahlo e Chavela Vargas são apenas alguns exemplos da história queer latino-americana, que se estende para além das fronteiras e dos séculos. Cada uma dessas pessoas viveu sua própria “teoria da carne”, enquanto nós, da nova geração queer, com muito respeito, mantemos viva a chama de sua – e agora nossa – resistência. Às vezes com mais sucesso, às vezes, menos.Maio de 2019