Enquanto nas cidades processos naturais como a menopausa, o luto ou a velhice são tratados com medicamentos, nas áreas rurais há uma reflexão sobre como as condições de vida e o meio ambiente influenciam intensamente a saúde das pessoas.
Nos centros de saúde das aldeias são atendidas doenças tão díspares quanto as de quem vive na cidade. Embora a imagem possa parecer a mesma, a saúde rural é muito diferente devido a elementos como dispersão geográfica e envelhecimento, algo que se explica pela baixa natalidade e pela migração em busca de oportunidades de trabalho. Isso tem muito a ver com a falta de políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento econômico, social e cultural dos povoados, diante do crescimento “imparável” das cidades.Espanha, Escócia e Finlândia têm as áreas mais despovoadas do continente. Embora as duas últimas tenham implementado políticas de vanguarda (“Highlands and Islands Enterprise”, na Escócia, e “Arctic Smartness”, no caso finlandês), com dezenas de milhões em investimentos, a Espanha está na vanguarda dos desertos demográficos da Europa sem que programas semelhantes sejam implementados, apesar dos milhões investidos pela União Europeia na forma de fundos estruturais. A partir de 2016 Bruxelas anunciou o congelamento de mais de um bilhão de fundos regionais para a Espanha, por “deficiências na gestão e no controle de vários programas”.
Na Espanha, 95% da população vive em 47% do território, o que significa que os 5% restantes vivem em 53% do país. É o que se conhece popularmente como “Espanha vazia”, uma tendência que antecipa um país superlotado no litoral e abandonado em seu centro rural. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), duas das comunidades mais afetadas pelo fenômeno são Astúrias (98,15 habitantes por km2) e Castela-Mancha (25,8 habitantes por km2). Em Madri, o mesmo dado perfaz 801,38.
A IMPORTâNCIA DOS DETERMINANTES SOCIAiS
Luis José Vigil | © David Molina Luis José Vigília atua na área de saúde de Caso e Sobrescobio, os concelhos que compõem o Parque Natural de Redes, na região montanhosa do sudeste das Astúrias. Esse enfermeiro reconhece que o mais satisfatório é o contato estreito com as pessoas. “Trabalhamos com pessoas idosas, e o que elas mais precisam é de comunicação”, diz ele. As dificuldades orográficas e climáticas se situam do outro lado da balança.Supervisionado por ele, um grupo de residentes em saúde de diferentes regiões da Espanha realizou um diagnóstico do quadro de saúde para se aprofundar na questão comunitária. Consome-se mais álcool porque não há formas alternativas de lazer além dos bares, o isolamento é potencializado pela escassez de transporte público, e o excesso de peso é fomentado quando as crianças não encontram alternativas de alimentação saudável durante o recreio.
Rioseco, capital do concelho asturiano de Sobrescobio | © Lujó Semeyes Por outro lado, as novas tecnologias surgem como grandes aliadas. “Estamos preparando as equipes para que possamos fazer chamadas de vídeo, e isso vai nos ajudar muito”, antecipa Vigil. A telemedicina vem funcinonando há anos no Canadá e em alguns estados americanos. Em comunidades autônomas, como o Principado das Astúrias, a dermatologia é uma das especialidades mais avançadas nesse sentido, com profissionais orientando pacientes a partir de fotografias.
Belén García, Hausärztin in Cudillero (Asturien) | © David Molina Cudillero é um dos povoados mais envelhecidos das Astúrias. O que os turistas não veem, ao contemplarem a bela estampa das casas de cores escalonadas, são as dificuldades que as barreiras arquitetônicas impõem aos idosos. Belén García trabalha há uma década como médica de família das 1.300 pessoas que vivem tanto na área urbana dessa vila de pescadores quanto em sua área rural. “Quando surge uma emergência domiciliar tenho que suspender a consulta”, diz ela.
Para essa médica não é difícil encontrar diferenças na percepção do atendimento primário nas áreas urbanas e rurais: “Nas aldeias você vai à consulta para não precisar ir ao hospital, enquanto na cidade eles nos veem como um inconveniente no acesso a ele”. A distância entre o centro de saúde onde García trabalha e o Hospital San Agustín de Avilés é de 28 quilômetros, o que se traduz em cerca de 25 minutos de carro. Essa distância chega a 42 quilômetros quando se está em Ballota, uma das oito freguesias rurais que fazem parte do concelho do qual Cudillero é a capital.
Diante do abuso das receitas, não há dúvida: “Estamos acostumados a que tudo seja resolvido por um medicamento. Não podemos confundir depressão com tristeza, nem medicalizar o envelhecimento natural. A medicina é necessária, mas as condições de vida são tudo”, e acrescenta que “os moradores dos povoados vivem muito mais próximos da terra e da natureza do que os das cidades, o que ajuda a enxergar com mais clareza as diferentes fases da vida , e o que isso implica”.
encuRTAR AS DISTâNCIAS PARA ALonGAR A VIDA
José Carlos Martínez | © David Molina Em Belvís de la Jara (Toledo) o prefeito, José Carlos Martínez, nos conta que “os médicos acabam sendo mais um membro da família. Eles são capazes de lembrar o que se passa com cada paciente apenas pelo nome”. Castela-Mancha tornou-se a segunda comunidade com mais municípios sem jovens com menos de 20 anos.“Temos um centro médico regional que atende os 3.500 moradores de Alcaudete de la Jara, Aldeanueva de Barbarroya e Belvís de la Jara. Dois médicos trabalham permanentemente”, explica. Esse centro foi criado para se desassociar do Hospital Talavera, para onde os moradores tinham que viajar mais de 60 quilômetros para ver um especialista. “Caso seja necessária uma internação temos uma unidade móvel e até um heliponto”, serviços que Martinez considera positivos.
Também chegou aos povoados o vírus de que todo mundo fala. Embora nos locais mencionados a incidência seja mínima, o trabalho de conscientização tem sido fundamental para lembrar que, embora as televisões só mostrem as cidades, o coronavírus também está em suas ruas. Quem diria, uma pandemia chegou aos povoados espanhóis antes que um plano eficaz para enfrentar a desigualdade entre o meio rural e as cidades. Melhorar as condições sociais, econômicas, políticas, ambientais, culturais, educacionais, geográficas e sanitárias é chave. Todas elas definem a saúde.
Novembro de 2020