Há muitas evidências de que a perda de biodiversidade nos ecossistemas pode influir diretamente no surgimento de doenças como a Covid-19. Parte da solução é aprender e adotar práticas sustentáveis em pequena e grande escala.
O ser humano está destruindo ecossistemas a uma taxa alarmante. Com a perda da biodiversidade, perdemos também os chamados serviços ecossistêmicos, ou seja, as muitas maneiras pelas quais a natureza sustenta a vida humana. Eles incluem, por exemplo, a redução da poluição do ar, a regulação da temperatura, a filtragem e purificação da água e a polinização dos cultivos. Além da perda desses serviços, o desmatamento ou a poluição dos mares podem ter outros impactos negativos e diretos na vida humana, como os surtos de doenças infecciosas.Na maioria dos ecossistemas, existem vírus, bactérias, fungos e parasitas que podem causar doenças nas pessoas. Isso não quer dizer que os ambientes naturais sejam necessariamente fontes de infecção ou lugares de risco para as pessoas. Muito pelo contrário: um ecossistema saudável, como uma floresta que não foi significativamente alterada pelos seres humanos, desenvolveu “defesas” contra a maioria dos patógenos que aí vivem. Um ecossistema com alta diversidade de espécies é mais resistente aos impactos dos patógenos microbianos, porque é mais provável que algumas das espécies presentes no ecossistema já tenham desenvolvido resistência a doenças. Em um ecossistema saudável, se uma espécie resistente desaparece, uma nova toma seu lugar. Agora, no cenário oposto, o que acontece em um ecossistema não saudável, degradado ou destruído?
Se um ecossistema não é saudável, seja pela perda de biodiversidade, perda de hábitat, mudança no uso da terra, poluição ou invasão de espécies exóticas, é provável que seus biótopos e as espécies que neles vivem sejam mais vulneráveis a patógenos.
Os surtos de enfermidades fazem parte da história humana. No entanto, parece-me que há cada vez mais patógenos perigosos para os humanos, capazes de causar mais doenças. Essa percepção levou cientistas como Kate Jones, da University College London, ou Andrew P. Dobson, da Universidade de Princeton, a supor que pode haver uma ligação entre a perda de ecossistemas e de biodiversidade e o surgimento de patógenos.
Equipes de veterinários, biólogos da conservação e ecologistas estão tentando entender a relação entre o uso agrícola da natureza e o surgimento de doenças infecciosas. Por exemplo, a EcoHealth Alliance desenvolveu vários projetos para prevenção de doenças infecciosas sob uma perspectiva de conservação do ecossistema. Seu projeto “Predict” coletou cerca de 140 mil amostras de espécies animais selvagens consideradas de alto risco em Bangladesh, Costa do Marfim, República Democrática do Congo, China, Egito, Índia, Indonésia, Jordânia, Libéria, Malásia e Tailândia. O objetivo do projeto é criar um banco de dados de vírus que acelere a identificação caso um deles infecte os humanos. Outro de seus projetos é dedicado a estudar ecossistemas a partir de uma perspectiva de manejo da flora e da fauna silvestre, para evitar que patógenos microbianos saiam das florestas através de hospedeiros, como humanos, cheguem a núcleos urbanos próximos e eventualmente desencadeiem a próxima pandemia.
Malária, zika, dengue, chikungunya e febre amarela são doenças transmitidas por mosquitos, sendo que a incidência, especialmente em regiões subtropicais, é associada a eventos de desmatamento. Isso porque as áreas recém-desmatadas, com sua combinação ideal de luz solar, água e temperaturas elevadas, são o lugar ideal para a reprodução de mosquitos transmissores de doenças. Isso, por sua vez, coloca as populações vizinhas em risco. Por exemplo, um estudo de 2009 revelou que o desmatamento na Amazônia peruana e alterações ecológicas a ele associadas levam à presença de larvas do mosquito Anopheles darlingi – o hospedeiro do patógeno causador da malária –, o que aumenta o risco de incidência da doença entre os habitantes da região. Na ilha de Bornéu também houve um aumento dramático dos casos de malária após o desmatamento acelerado para o cultivo de palma.
Além disso, o Instituto Internacional de Pesquisas em Pecuária informou, em 2012, que mais de 2 milhões de pessoas em todo o mundo morreram de doenças zoonóticas, ou seja, as que são transmitidas de animais para humanos, como Aids, ebola e nipah.
O HIV, por exemplo, cruzou a barreira entre espécies ao passar dos chimpanzés para os humanos, e a teoria mais aceita sobre a causa desse fenômeno é que caçadores de animais selvagens contraíram o vírus depois de matar primatas e comer sua carne. Hoje, cerca de 38 milhões de pessoas carregam o patógeno do HIV, que pode desencadear a síndrome da imunodeficiência adquirida Aids. O ebola também pode ter sido introduzido na população humana através do contato próximo com órgãos, sangue e secreções de animais infectados, como morcegos frugívoros, chimpanzés, gorilas, macacos, antílopes ou porcos-espinhos. O vírus nipah, que geralmente causa meningite, foi isolado pela primeira vez na Malásia em 1999, e acredita-se ter sido transmitido de morcegos frugívoros para porcos domésticos, e mais tarde de porcos para humanos.
No caso do vírus SARS-COV2, que causa a Covid-19, os cientistas ainda não sabem exatamente como ele infectou os humanos pela primeira vez. Estudos apontam duas possíveis teorias sobre sua origem. Uma delas é que o vírus passou de morcegos para humanos através de algum animal hospedeiro intermediário, pois não há casos documentados de transmissão direta morcego-humano. A segunda teoria é que o vírus poderia ter sido transmitido diretamente aos seres humanos, residiu entre eles por um certo tempo sem chamar a atenção, e eventualmente evoluiu para sua forma patogênica atual, na qual continua a sofrer mutações. De acordo com esta teoria, o coronavírus pode ter sido inicialmente transmitido de um pangolim para um humano.
Os exemplos apresentados buscam ilustrar como o surgimento de doenças causadas por patógenos microbianos pode ser favorecido pela forma como os seres humanos tratam a natureza e pelos problemas ambientais resultantes. Embora isso continue sendo controverso na comunidade científica, as pesquisas mencionadas apontam para uma conexão nesse sentido. O modelo extrativo e exploratório dos recursos naturais, que inclui urbanização, desmatamento, desenvolvimento agrícola, mineração e comércio de animais silvestres, contribuiu para a perda da diversidade biológica, que é agravada pelas mudanças climáticas.
A solução não é simplesmente manter os ecossistemas intactos e livres de humanos, já que isso é impossível. Uma resposta aos crescentes problemas ambientais que nos afetam cada vez mais é aprender e adotar práticas sustentáveis em pequena e grande escala. É importante entender que há uma conexão inexorável entre a saúde do ecossistema e a saúde e o bem-estar do ser humano. Todas as pessoas são responsáveis por manter um planeta saudável para nossa sobrevivência e a de todas as espécies.
Abril de 2021