Por Daniel dos Santos Rodrigues
Operários chineses de uma fábrica de coque estão assistindo televisão no refeitório. Uma multidão de funcionários dá risadas enquanto na televisão passa um programa de humor. Quando a programação é interrompida e a contagem regressiva de ano novo chega a zero, ouvem-se gritos de comemoração, os cozinheiros trazem a comida, e todos se servem com pratos transbordando de vários tipos de iguarias. Eles abrem champanhe e vodka e se servem em copos de plástico. Tudo isso acontece com a câmera os apertando em planos fechados, dando uma sensação ainda maior de lugar lotado. Eles riem, comem e bebem e um dos trabalhadores faz um discurso agradecendo pelo trabalho duro. Em outra sala, outro funcionário tenta, sem sucesso, fazer uma ligação. Ele mostra uma fotografia com sua esposa e filha para a câmera e nos encara com um sorriso torto, abaixando a cabeça. Outros trabalhadores também tentam telefonar e não conseguem devido a linha ocupada. Voltamos para a comemoração e no meio de muitos gritos e risadas, como no início da cena, agora a câmera capta rostos mais sérios. Ainda assim os gritos de alegria ecoam pela rua.
Essa cena acontece após uma hora de filme, porém a melancolia está presente em todo o longa-metragem Losers and Winners dos diretores alemães Ulrike Esther Franke e Michael Loeken. O filme acompanha a mudança de uma fábrica de coque da Alemanha para a China, país para o qual foi vendida, e, durante esse período, acompanhamos certas alfinetadas entre os antigos donos alemães e seus novos donos chineses e todo o trabalho que os operários vindos da China passam longe de suas famílias, bem como a tristeza dos trabalhadores alemães ao verem seu espaço de trabalho de tantos anos sendo destruído aos poucos.
Há melancolia em todos os lados que o filme aborda. Nos Alemães pela tristeza de agora estarem sem um local de trabalho e nos Chineses que se dividem entre a chefia do processo de desmontagem e os operários que colocam a mão na massa. Porém é para os funcionários que os diretores olham de um modo mais especial, que se sentem honrados por fazer este trabalho que trará um gigante crescimento econômico para a China.
Identificamos este olhar por meio de planos, muitas vezes estáticos, que não hesitam em mostrar o trabalho braçal, a rotina cinza daquele ambiente nos escombros da fábrica. Somam-se as diversas entrevistas em que os personagens falam das injustiças do trabalho, como o desconto no salário de um dos funcionários. Quando o documentário mostra o que parece ser o único momento de lazer desses trabalhadores, o horário do almoço, no refeitório eles assistem o jornal para saber das últimas notícias da China, deixa antever certo patriotismo e orgulho por estarem trabalhando tão pesado para o crescimento do seu país.
Em outros momentos, vemos parte da chefia desses operários. Estes também carregam esse orgulho patriota, mas são melhores recompensados. O filme também não hesita em apontar a diferença entre chefia e operariado. Em uma cena longa, um dos chefes chineses é acompanhado enquanto compra um carro de luxo, ao passo em que em outra vemos o bom trabalho dos operários ser recompensado com a aplicação de suas fotos em um mural. Aí é onde o título Losers and Winners se encaixa tão bem e a cena com a qual abrimos este texto se torna tão importante. Os gritos de felicidade dos operários que se pode ouvir do lado de fora da fábrica, retratados em planos tão apertados que nos dá a sensação de ambiente lotado e comida farta, também podem ser vistos como gritos de alívio disfarçados. Planos apertados que indicam prisão e rostos tristes que quase não se distinguem no meio daquela multidão indicam a ambiguidade de sentimentos em relação àqueles trabalhadores.
No fim, os perdedores e vencedores do título estão presentes tanto no segmento dos alemães que “perderam” a fábrica para a China ainda que tenham ganhado um bom dinheiro na venda, quanto nos operários chineses que perderam tempo, sangue e até vida para realizar esse trabalho que só faz com que seus superiores saiam ganhando alguma coisa.