O Método

Eduardo Coutinho em O Método © © Tempo Eduardo Coutinho em O Método © Tempo

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"O documentário também precisa construir uma narrativa”, diz Liliana Sulzbach

Por Rafael Glória*

Cabe a ninguém menos que Eduardo Coutinho proferir as primeiras palavras de O Método, de 2019, justamente para o entrevistador e diretor Carlos Roberto Franke. “Você faz exatamente o quê da vida?”, indaga. Carlos responde, então, que é professor na Universidade Federal da Bahia na área de saúde e meio ambiente. É como se Coutinho nos apresentasse o idealizador do projeto e desse a benção para o filme começar.

A partir disso, somos orientados por uma das poucas intervenções narrativas de Roberto explicando a proposta do trabalho, que é derivado de um pós-doutorado realizado com o objetivo de entrevistar documentaristas alemães e brasileiros justamente sobre a área em que ele atua. Confrontado de imediato nas primeiras cenas de entrevistas, Roberto admite que a ideia pode ser redutora.

O que acompanhamos a seguir, porém, é o contrário de algo “redutor”. Trata-se de um extenso material com depoimentos que abarcam diferentes olhares sobre o fazer documental, escolhas narrativas e histórias dos documentaristas, tendo como fio condutor suas experiências e reflexões sobre os próprios trabalhos principalmente em questões políticas e sociais. 

Além de Coutinho, foram entrevistados também os documentaristas brasileiros Luiz Eduardo Jorge, Washington Novaes, Eduardo Vilela Thielen, Silvio Tendler e os realizadores alemães Valentin Thurn, Joachim Tschirner, Bertram Verhaag, Inge Altemeier e Kerstin Stutterheim. Eduardo Coutinho faleceu em 2014 e Luiz Eduardo Jorge em 2017, ambos são lembrados in memorian nos créditos finais da produção.

Liliana Sulzbach, também diretora de O Método, foi quem percebeu a riqueza dos testemunhos que Roberto recolheu e propôs mostrar toda essa espécie de desconstrução temática da proposta inicial já no começo do filme. “Assumimos que ele foi com uma intenção, mas que pela qualidade dos depoimentos, resolvemos fazer não só para quem quer fazer documentários sobre meio ambiente, mas também de uma maneira geral”, diz a cineasta, em entrevistas por vídeo-chamada.

Talvez este seja o grande mérito dos realizadores: a capacidade de analisar o próprio material e modificar o foco. Junto a isso, também é admirável a capacidade de reunião de diferentes imagens de arquivos e dos vários filmes citados, de forma a incitar o público a querer saber mais sobre cada produção, costurando também uma segunda camada ao O Método, além dos relatos.

É na montagem e no trabalho de edição que muitas vezes se enlaçam os fios narrativos de um documentário. Perguntada se qualquer tema pode ser investigado, Liliana diz que um elemento importante para definir isso é a história. “As pessoas tendem a achar que ela é apenas uma construção ficcional, mas o documentário também precisa construir uma narrativa - embora agora essa palavra esteja sendo muito mal utilizada", explica.

E, realmente, em uma época com muitas informações falsas circulando e em que a palavra narrativa quase virou sinônimo de “versão”, é preciso refletir cada vez mais sobre a representação de uma realidade.  “Acredito que tudo que é história pode dar um bom documentário. O que fazemos é justamente encontrar a melhor forma para um recorte de uma realidade e, nesse momento, a subjetividade sempre atua a partir de uma linguagem escolhida”, diz.

Liliana diz que já entrou em algumas discussões com outros documentaristas sobre o assunto complexo. “Não dá para achar que simplesmente encadear um monte de fatos que vai se tornar um filme totalmente realista. Mas, hoje em dia, tem que se ter muito cuidado como isso pode ser interpretado, porque vira uma guerra de versões, de narrativas”, acredita. E continua: “O que muitos documentaristas lançam mão é de representar algumas cenas que não necessariamente aconteceram naquele momento daquele jeito, mas que de certa maneira vão ao encontro daquilo que ele está querendo afirmar. Não é ‘falsear’ o resultado científico para dizer que máscara não funciona. Então, é isso que a gente tem que cuidar um pouco”, reflete.

A riqueza dos depoimentos e a paixão pela história que une os documentaristas alemães e brasileiros em suas diferentes vertentes é a principal engrenagem de O Método. É também uma aula para possíveis interessados em trabalhar ou refletir sobre a questão documental, e toda a combinação de paixão, rigor intelectual e vocação investigativa necessária para esse trabalho. 


 
*Rafael Gloria é jornalista, mestre em comunicação, editor-fundador do site de jornalismo cultural Nonada e sócio da Agência Riobaldo.

 
Conversas.doc é um projeto de crítica no qual artistas, jornalistas, estudantes, críticos e agentes culturais produzem conteúdos sobre cada filme. Textos, fotos, vídeos e ilustrações fazem parte da iniciativa, que visa promover uma conversa da cena local com os filmes através de conteúdos virtuais.

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