Séries alemãs  A mulher dos mortos

. © Mona Film/ Barry Films/ Stephan Burchardt

Os fãs dos policiais nórdicos vão se sentir em casa com Totenfrau (A mulher dos mortos), série da Netflix com seis episódios, ambientada nos Alpes Tiroleses da Áustria. O ambiente frio deriva de mais elementos do que apenas do clima da região. Uma pitoresca cidade montanhosa esconde um submundo do crime, que leva o privilégio dos ricos para além da corrupção, chegando à depravação grotesca, enquanto a heroína é uma espécie de sociopata que se sente mais confortável em comungar com os mortos do que com a interação humana. Nesse tipo de policial, os traumas e as psicoses fazem o mundo girar.

Você quer mais sombrio

Baseado em um romance de mistério de Bernd Aichner, A mulher dos mortos acompanha a agente funerária Brünhilde Blum (Anna-Maria Mühe), casada com Mark (Maximilian Kraus), um policial simpático e descontraído. Eles vivem com os dois filhos em uma pequena cidade nos arredores de Innsbruck, onde os proprietários da estação de esqui local representam o verdadeiro poder. Quando Mark é atropelado e morto em uma manhã, seus colegas policiais estranhamente não se interessam muito em seguir as pistas, mas Blum começa a cavar e revirar.
A morte de Mark abre uma fissura na vida de Blum. Flashbacks elípticos revelam que ela era filha adotiva de dois agentes funerários que eram sádicos: seu método preferido de disciplinar a filha era fechá-la em um caixão. A jovem Blum começou a ouvir os cadáveres no necrotério de seus pais falando com ela, oferecendo-lhe conselhos tranquilizadores. Ainda hoje, a mulher adulta vibra com os recém-falecidos, quando ninguém mais está por perto. Mark era sua ligação com o mundo real e sua luz e, com seu assassinato, a escuridão interior de Blum ressurge. Seu sentimento de injustiça torna-se um instrumento contundente, a ser empunhado contra qualquer um em seu caminho.

O horror, o horror

Uma coprodução da Netflix com  a emissora austríaca ORF, A mulher dos mortos faz parte de uma recente onda de seriados policiais em língua alemã ambientados em cidades montanhosas remotas. O estilo pode ser chamado de “noir alpino” e, nele, os produtores querem fazer com que os espectadores esqueçam quaisquer noções agradáveis que possam ter de locais de férias rústicos. Nesses locais paradisíacos, não faltam tumultos. A TV suíça contribuiu com quatro temporadas sombrias de Wilder e, apenas dois meses antes de A mulher dos mortos , a Alemanha lançou Höllgrund, ambientado em uma cidade da Floresta Negra. Talvez alguém esteja propondo um remake sombrio e tenebroso de Heidi neste exato momento.

A mulher dos mortos e Höllgrund destacam a vitimização de migrantes em comunidades montanhosas isoladas. Os locais não querem que o século 21 chegue às suas portas, mas ele tem que chegar, e só as jovens heroínas de cada série entendem isso.

Ambas as séries também tendem para o lado mais assustador de um policial sombrio, flertando com o terror. Blum, é claro, conversa com pessoas mortas, e a policial líder em Höllgrund é regularmente visitada pelo fantasma de seu falecido pai, que faz avaliações cáusticas de seu progresso na investigação de seu assassinato.

Em cada caso, a série preserva um elemento de ambiguidade – entendemos que os diálogos se passam na cabeça dos protagonistas. Mas mergulhar no estranho pode ser um sinal de que o realismo é inadequado para retratar as patologias espalhadas pelo mundo de hoje. Ou talvez seja apenas um sinal de que, mesmo na TV de língua alemã, as fórmulas padronizadas de programas policiais estão perdendo a atratividade, e o formato precisa ser repensado, especialmente se as emissoras de TV quiserem atrair a atenção do público mais jovem.

#MeToo, com derramamento de sangue

Para desvendar a conspiração por trás do assassinato de seu marido, a personagem Blum, de A mulher dos mortos, precisa encontrar sua “mulher fatal” interior. Seus alvos na cabala dos corretores do poder local são todos homens, é claro, e cada um deles é um paradigma presunçoso de privilégio. Blum acaba descobrindo que todas as instituições da cidade estão comprometidas, quando não podres.

A mulher dos mortos é extremamente cativante, já que a violência inventiva irrompe em cada episódio. Mas a série é também um pouco repetitiva e monótona, embora conte com bom elenco: dá prazer ver Anna-Maria Mühe se transformar em uma usina de vingança, enquanto seus adversários são verdadeiros estudos de caso em vilania friamente amoral numa suave condescendência que se mostra repleta de ameaças. Entre as outras recompensas da série estão os créditos de abertura bastante imaginativos, que são como uma série de capas de romances policiais vintage ressucitados. E é um arraso voar pelas estradas alpinas com Blum em sua motocicleta, seguida pela câmera que se posiciona atrás dela.

Finalmente, um flashback terrível no último episódio revela que os filhos favoritos da cidade se uniram quando adolescentes para cometer um ato verdadeiramente atroz de violência sexual em um teleférico de estação de esqui. Como verdadeiros canalhas de meia-idade, eles progrediram para assassinar mulheres migrantes indefesas (vestindo máscaras de animais enquanto o fazem, no episódio de terror mais ostensivo da série). Assim, enquanto Blum os coloca na mira, um a um, ela está vingando não apenas o assassinato de seu marido, mas décadas de abuso.
Netflix
Assim como na famosa trilogia Millennium, de Stieg Larsson, não é difícil perceber A mulher dos mortos como crítica social disfarçada de pulp fiction sanguinolenta. Uma heroína ferida surgirá, com uma arma de choque na mão, para derrubar a ordem social fundada no domínio do homem branco. O cenário, sem dúvida, parecia mais fresco quando o romance de Bernhard Aichner estreou em 2014. Quase uma década depois, porém, o espectador não consegue deixar de refletir sobre o quão perigosamente A mulher dos mortos se aproxima de uma narrativa do QAnon. Uma gangue de pervertidos controla tudo; se fosse tão simples assim.

A mulher dos mortos
Oito episódios, aprox. 48 minutos cada
Direção: Nicolai Rohde.
Elenco: Anna Maria Mühe, Felix Klare, Yousef Sweid, Gerhard Liebmann
Roteiro, baseado em um romance de Bernhard Aichner, por:  Barbara Stepansky, Wolfgang Mueller, Benito Mueller, Mike Majzen e Nicolai Rohde. 
Trilha sonora original: Patrick Kirst.
Produção: Barry Films / Mona Film Produduções para a Netflix / ORF

 

Assista à série “A mulher dos mortos”
Em todo o mundo na NETFLIX
https://www.netflix.com/title/81239598
 

 

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