Berlinale 2024  Entre sonhos e realidade

“Lapso”. Brasil, 2023. Direção: Caroline Cavalcanti. Na foto: Beatriz Oliveira, Juan Queiroz Berlinale Generation 2024.
“Lapso”. Brasil, 2023. Direção: Caroline Cavalcanti. Na foto: Beatriz Oliveira, Juan Queiroz Berlinale Generation 2024. © Nathalia Cordeiro

A diversidade das regiões brasileiras, com suas tradições e modos de vida, está presente nesta 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale. Com filmes realizados após o fim da pandemia de Covid-19, recomeços e buscas por uma vida melhor são temas recorrentes e refletem a situação social e política do país.

Em Betânia, longa-metragem de estreia do diretor Marcelo Botta, exibido na mostra Panorama, a protagonista, após perder o marido devido a dificuldades de infraestrutura na região onde vive, procura reinventar sua vida. Sonhos de três gerações – a avó Betânia, suas filhas e seus netos – vão ganhando forma no dia a dia de uma pequena comunidade do Nordeste brasileiro. Todo filmado nos Lençóis Maranhenses, tanto em períodos de cheia quanto de seca, além de mostrar as dificuldades dos moradores locais, o filme acompanha os personagens nas diversas festividades da tradição local, como o Meu Boi Bumbá e rodas de cantigas populares, e em festas contemporâneas com remixes de reggae.


“Betânia”. Brasil, 2024. Direção Marcelo Botta. Na foto: Rosa Ewerton Jara, Diana Mattos, Nádia D’Cássia. Berlinale Panorama 2024.  “Betânia”. Brasil, 2024. Direção Marcelo Botta. Na foto: Rosa Ewerton Jara, Diana Mattos, Nádia D’Cássia. Berlinale Panorama 2024.  | © Felipe Larozza / Salvatore Filmes Também ganham destaque no filme questões ambientais evidentes na região, como o lixo jogado ao mar e os efeitos das mudanças climáticas. A interpretação intimista e bem pontuada de Diana Mattos como Betânia é um dos destaques do filme, cujo elenco é formado por atores locais.

Cartão postal em reverso

Já em Dormir de olhos abertos, uma coprodução Brasil, Argentina, Taiwan e Alemanha, exibido na mostra competitiva Encounters e dirigido pela alemã Nele Wohlatz, a busca de imigrantes chineses em Recife por novas perspectivas vai se delineando em uma ficção sutil e silenciosa. Através da história de uma turista de Taiwan que chega na cidade e aos poucos se aproxima de uma comunidade chinesa local, vamos conhecendo as relações efêmeras de trabalhadores ilegais, que contrastam com a riqueza dos empregadores, também chineses.

“Dormir de olhos abertos”. Brasil/Taiwan/Argentina/Alemanha, 2024. Direção: Nele Wohlatz. Na foto: Chen Xiao Xin. Berlinale Encounters 2024. “Dormir de olhos abertos”. Brasil/Taiwan/Argentina/Alemanha, 2024. Direção: Nele Wohlatz. Na foto: Chen Xiao Xin. Berlinale Encounters 2024. | © Victor Juca Independentemente da situação econômica e de exploração, todos sofrem com preconceito e com as dificuldades de estar longe de casa. A narrativa é desenvolvida em dois níveis: as vivências da turista em Recife e a história de uma menina chinesa que conta sua vida na cidade, usando o verso de cartões postais. Aos poucos, as duas histórias vão se entrelaçando até se tornarem uma só. Falado em português, mandarim e espanhol, o filme deixa clara a sensação de não pertencimento e as dificuldades de ser estrangeiro em outra cultura.

Racismo, falta de perspectivas e repressão policial

Também ambientado em uma grande cidade, Belo Horizonte, o curta-metragem Lapso (Mostra Generation), dirigido por Caroline Cavalcanti, conta a história de Bel e Juliano, dois adolescentes da periferia, que cumprem medida socioeducativa em uma biblioteca. Bel, que se comunica por língua de sinais, é professora particular e skatista; Juliano adora rap e busca por um sentido para sua vida. Através da rotina dos dois personagens, as dificuldades de serem jovens negros em uma periferia no Brasil são colocadas: racismo, falta de perspectivas e repressão policial fazem parte do cotidiano. Apesar do contexto de violência, o filme é delicado, abrindo espaço para o amor e solidariedade, mesmo que a narrativa não sinalize uma possibilidade de futuro melhor para os protagonistas.

Amazônia: devastação e estragos

A ideia de construir um país do futuro levou no passado à construção da rodovia Transamazônica, que corta a região de leste a oeste. Em Quebrante, filme autoral de Janaina Wagner, exibido no Forum Expanded, embarcamos em uma viagem pela Amazônia, explorando caminhos, cidades-fantasma, pequenos povoados, e, principalmente, desolação e desmatamento.

“Quebrante”. Brasil, 2024. Direção: Janaina Wagner. Berlinale Forum Expanded 2024. “Quebrante”. Brasil, 2024. Direção: Janaina Wagner. Berlinale Forum Expanded 2024. | © Janaina Wagner No filme, a artista mescla imagens de aspectos da natureza da região, como pedras e cavernas, com corpos celestes e a lua, fazendo alusão aos primórdios do cinema em uma cena que lembra Viagem à lua, de Georges Méliès (1902). Quebrante traz ao espectador tristeza e nostalgia, tanto pelos estragos constatados na região quanto pelo que sobrou de um sonho de desenvolvimento às avessas.

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