Evitar futuras crises ambientais é um dos maiores desafios que o mundo enfrenta no momento. Para isso, parece inevitável fomentar, a partir da participação política, democracias e sociedades mais comprometidas com o planeta.
A crise ambiental que vivemos há pelo menos meio século – e cujo sinal mais urgente são as mudanças climáticas – converteu-se em um dos temais mais relevantes da nossa época. E é, sem dúvida, o aspecto que mais efeitos surtirá no futuro, pois compromete a própria existência da vida humana. Essa transformação não é a primeira que temos enfrentado na história da humanidade, mas é a única que, com seus efeitos múltiplos, nos coloca em risco como espécie. Se não respeitamos os limites biofísicos do planeta, qualquer anseio de prosperidade futura será limitado.
Qual poderia ser a solução para essa crise e qual o caminho para uma “sociedade sustentável”? Um caminho proposto é transformar a democracia formal, convertendo-a em um veículo de sustentabilidade. Desta forma, o interesse comum generalizado permitiria ao sistema político democrático-deliberativo gerar decisões que favoreçam justamente este interesse. Assim, chegaria a seu ápice a distinção entre a democracia como processo e a sustentabilidade como produto.
Uma sociedade com aspirações de sustentabilidade – envolvendo equidade ambiental intergeracional e uma relação saudável com o meio ambiente – deve ser baseada em um tipo de participação inclusiva, sinergética e proativa. Neste tipo de sociedade, todos os grupos sociais, as comunidades afetadas, os representantes políticos e cidadãos como um todo podem estabelecer um conjunto de ideias, que permitam gerar consensos para identificar e resolver os problemas socioambientais. Trata-se de um processo no qual as pessoas são protagonistas da resolução dos problemas, contribuindo com a própria criatividade, pontos de vista, conhecimentos e recursos, e compartilhando uma responsabilidade na tomada de decisões. Um modelo assim parece imprescindível dada a magnitude dos atuais problemas e é, portanto, um dos desafios enfrentados pelas sociedades contemporâneas.
Ninguém no seu perfeito juízo pensaria hoje que os problemas ambientais podem ser resolvidos sem a participação da sociedade civil, ou que só o Estado e as corporações podem oferecer – ou aparentar oferecer – soluções para as crises ambientais. No entanto, segue-se agindo desta maneira. Os resultados são evidentes: um aumento sensível dos conflitos. Há muitos exemplos disso na América Latina: mobilizações sociais contra a “megamineração”, a luta pelos direitos da natureza, disputas pelo uso tradicional da terra, defesa da biodiversidade e muitas outras situações, nas quais a sociedade civil tenta, através de lutas sociais, ganhar espaço de participação e decisão que as instituições tradicionais lhe negam.
Os processos participativos são, portanto, uma estratégia fundamental em prol da resolução de conflitos socioambientais, já que conferem maior legitimidade às decisões públicas, ao criarem um sentido de responsabilidade compartilhada entre os cidadãos e os diversos atores econômicos e sociais. A ligação entre sustentabilidade e democracia torna-se evidente frente à comprovação de que os problemas ambientais são, de fato, políticos, e que eles têm causas. E, sendo assim, deveriam contar, em um mundo ideal, com soluções políticas.
A democracia e o meio ambiente devem andar de mãos dadas. Não se pode pensar em um cidadão pleno em um ambiente degradado e à beira do colapso. Se pretendemos contribuir para a criação de um novo ambiente, devemos transformar as sociedades de forma que elas próprias sejam a expressão mais visível deste ambiente. A ideia de uma “nova democracia” incorpora a necessidade de participação cidadã nas questões ambientais. E envolve, no caso da América Latina, a ciência e a tecnologia como instrumentos legítimos de progresso, mas somados ao respeito e à incorporação de conhecimentos tradicionais, como os saberes de povos nativos.
O objetivo seria criar uma forma de “cidadania ambiental”. Isso significa inventar um novo paradigma de desenvolvimento que coloque os cidadãos no centro dos processos de desenvolvimento; que considere o crescimento econômico como um processo ecologicamente limitado, como um meio para atingir um nível mais elevado de bem-estar humano, mas não como um fim em si mesmo; que proteja as oportunidades de vida das gerações de hoje e daquelas do futuro. Um paradigma que, em essência, respeite a integridade dos ecossistemas naturais que tornam possível a existência do planeta.
Trata-se de um imenso desafio que implica tarefas muito árduas: gerar espaços e instituições de expressão cidadã, desenvolver a opinião pública e atores sociais ativos, organizar grupos que exerçam o controle comunitário sobre as políticas governamentais, promover o diálogo proativo entre redes de informação e a produção de conhecimento por parte de cidadãos organizados, gerar esferas públicas para a negociação de agendas ambientais... Só assim seria possível assegurar a implementação de políticas públicas que reflitam as demandas e propostas da sociedade civil, gerando e formalizando mecanismos voltados para a resolução de conflitos.
Um modelo como esse ainda é, para a América Latina – e, na realidade, para a maior parte do mundo – apenas pouco mais que uma simples esperança. O desafio desta “cidadania para a sustentabilidade” requer novas políticas públicas, para as quais, no entanto, não parece haver um desejo nítido nestes tempos. Se houvesse tal desejo, seria possível abrir caminho para mais democracia, maior participação, para uma crescente equidade e para a viabilização da construção de sociedades orientadas para a resolução de problemas ambientais – talvez a questão mais grave enfrentada pela humanidade neste século.
[Wandschee1]"deliberativo" está OK
Abril de 2019