Uma conversa com Calvin Ratladi  “Um encontro em um mundo melhor”

Um encontro em um mundo melhor", no Festival Theaterformen, em Braunschweig, 2022
Um encontro em um mundo melhor", no Festival Theaterformen, em Braunschweig, 2022 © Andreas Greiner-Napp

Meta do projeto “A Gathering in a Better World” (Um encontro em um mundo melhor) é a criação de uma rede global para artistas com deficiências na dança, para os quais quase não existem ainda estruturas ou ofertas. Uma entrevista com Calvin Ratladi sobre a direção desse projeto em sua edição de Joanesburgo.

O projeto transdisciplinar A Gathering in a Better World, voltado para um público amplo com e sem deficiências, foi concebido por artistas com deficiências, oferecendo oportunidades de encontro e conexões, bem como espaços criativos. Iniciado pelo Festival Theaterformen e pelo Goethe-Institut, realizou-se entre julho de 2022 e março de 2023 em cinco cidades de diferentes países: Braunschweig, Joanesburgo, Montevidéu, Xangai e Quioto. Poucos dias antes da edição do projeto em Joanesburgo, o artista Calvin Ratladi conversou com a jornalista Aleya Kassam sobre  sua prática criativa e o que significa encontrar-se na África.

Calvin Ratladi Calvin Ratladi Calvin Ratladi: Até agora, eu nunca tinha feito nada tão extraordinário como este projeto na minha trajetória. Estou trabalhando com artistas incríveis aqui. Estou me dedicando a resgatar suas histórias e os trabalhos que eles têm feito. Estou interessado em uma conversa que vai além da inclusão. Trata-se de como trazemos uns aos outros de volta à humanidade. Para mim, há um sistema histórico sobre como vemos certos corpos e como certos corpos deveriam ser percebidos quando nos deparamos com eles. Recuso-me a acreditar na narrativa de que a forma como definimos a deficiência na África seja violenta. É uma narrativa que foi construída.


Calvin Ratladi tem uma trajetória que atravessou muitos espaços. Artista de formação interdisciplinar, trabalha como produtor freelancer, diretor, escritor, ator/performer, coreógrafo, pesquisador de campo, dramaturgo, curador e gestor cultural de vários grupos, organizações e instituições, incluindo o Centre for the Less Good Idea, de William Kentridge. Ratladi é conhecido por sua capacidade de se adaptar, pela defesa da identidade, da concepção política do corpo na pós-colonialidade e por dar voz a pessoas que vivem com deficiências.


Calvin Ratladi: As pessoas com deficiências têm sido excluídas de participar da sociedade – essa história de pessoas vivendo com deficiências também não foi escrita. O projeto A Gathering in a Better World torna-se essa oportunidade de reivindicar, recuperar, ressuscitar e arquivar aquilo que a história nos negou. Na minha trajetória, nunca fiz um trabalho “inclusivo” – negociei meu corpo sem negociar minha existência. Isso remonta à minha prática – consegui não ser visto como artista deficiente, especialmente quando estou no palco. Sou capaz de deglutir meu corpo, de ser visto como humano e trazer esse corpo até onde ele precisa estar como um ser mágico realista, ou como uma metáfora.

A curadoria de Joanesburgo é uma extensão física da conexão entre artistas da África Subsaariana que vivem com deficiências em uma série de workshops, masterclasses, conversas (podcasts), colaborações, textos e produção de novos trabalhos desenvolvidos no âmbito do arquivamento de pesquisas relacionadas a “Artes, deficiência, performances”. O projeto é concebido como um espaço experimental, performático e lúdico de troca e diálogo entre artistas e pensadores cujas práticas são dedicadas à justiça social e à deficiência. Quando falamos sobre o próprio processo artístico de Calvin, ele compartilha o que aprendeu sobre seu próprio ofício.

Calvin Ratladi: Assumo a posição de estudante primeiro. Volto e tento fazer conexões, com base em experiências incorporadas em mim e onde me encaixo no ambiente sociopolítico em que existimos. Pergunto como também me torno genuíno para mim mesmo, para as minhas experiências. O que faz um grande diretor? O que faz você pensar que sua visão é especial? É quando você precisa explorar sua experiência incorporada, sua lente, a maneira como você vê o mundo, e trazer tudo isso de uma forma que permita que você seja genuíno – e que possamos ser levados em uma jornada.

Estou intrigada com a escolha por trás da palavra “gathering” (encontro). Quando Calvin explica, a visão que sustenta sua abordagem vem à tona.

Calvin Ratladi: A intenção que está por trás de chamar o projeto de encontro vem do fato de que, quando nos encontramos na África, nos encontramos para fins sagrados, ritualísticos e cerimoniais – e aqui não é diferente. Neste caso nos encontramos para chegar a um ritual onde negociamos nossa volta ao conceito de humanidade. Quando chegamos para estar juntos, viemos por essas razões. Não estamos aqui para implorar – por favor, venham e coexistam com pessoas com deficiências. Vocês estão vindo para ver pessoas que vivem com deficiências em sua excelência. O maior sonho deste encontro é o livro que surge dele... Estudiosos são convidados a estar presentes e contribuir – todos os anos o encontro gera um livro para criar algo tangível para o arquivo. É um projeto lindo.
 

Sobre o projeto

“A Gathering in a Better World” (TGIABW) envolve séries interdisciplinares de workshops e masterclasses por um período de cinco dias, entre 1º e 5 de março de 2023. Esses workshops e masterclasses são voltados a artistas, pensadores e profissionais interessados na prática e performance totalmente inclusiva. O TGIABW convidou e reuniu para fazer parte do programa artistas e profissionais dos mais diversos campos de atuação. O programa envolve produção de teatro, escrita, coreografias, design, movimento e dança, entre outras disciplinas. O programa será apresentado por profissionais e educadores respeitáveis da África do Sul e de Moçambique. O resultado pretendido é a apresentação de um conceito para uma nova performance ao vivo, desenvolvida durante workshops e masterclasses, para exibição em espetáculo para o público. Essa apresentação resulta do trabalho de artistas experientes como Hlengiwe Lushaba Madlala, Chuma Sopotela, Nadine McKenzie, Andile Vellem, Teresa Phuti, Thulane Chauke, Nceba Gongxeka, Sello Sebotsane, Anathi Conjwa, Siphenati Mayekiso e Calvin Ratladi.

Leia mais…

Failed to retrieve recommended articles. Please try again.