Meta do projeto “A Gathering in a Better World” (Um encontro em um mundo melhor) é a criação de uma rede global para artistas com deficiências na dança, para os quais quase não existem ainda estruturas ou ofertas. Uma entrevista com Calvin Ratladi sobre a direção desse projeto em sua edição de Joanesburgo.
O projeto transdisciplinar A Gathering in a Better World, voltado para um público amplo com e sem deficiências, foi concebido por artistas com deficiências, oferecendo oportunidades de encontro e conexões, bem como espaços criativos. Iniciado pelo Festival Theaterformen e pelo Goethe-Institut, realizou-se entre julho de 2022 e março de 2023 em cinco cidades de diferentes países: Braunschweig, Joanesburgo, Montevidéu, Xangai e Quioto. Poucos dias antes da edição do projeto em Joanesburgo, o artista Calvin Ratladi conversou com a jornalista Aleya Kassam sobre sua prática criativa e o que significa encontrar-se na África.![Calvin Ratladi Calvin Ratladi](/resources/files/jpg1225/calvin-ratladi-formatkey-jpg-w245.jpg)
Calvin Ratladi tem uma trajetória que atravessou muitos espaços. Artista de formação interdisciplinar, trabalha como produtor freelancer, diretor, escritor, ator/performer, coreógrafo, pesquisador de campo, dramaturgo, curador e gestor cultural de vários grupos, organizações e instituições, incluindo o Centre for the Less Good Idea, de William Kentridge. Ratladi é conhecido por sua capacidade de se adaptar, pela defesa da identidade, da concepção política do corpo na pós-colonialidade e por dar voz a pessoas que vivem com deficiências.
Calvin Ratladi: As pessoas com deficiências têm sido excluídas de participar da sociedade – essa história de pessoas vivendo com deficiências também não foi escrita. O projeto A Gathering in a Better World torna-se essa oportunidade de reivindicar, recuperar, ressuscitar e arquivar aquilo que a história nos negou. Na minha trajetória, nunca fiz um trabalho “inclusivo” – negociei meu corpo sem negociar minha existência. Isso remonta à minha prática – consegui não ser visto como artista deficiente, especialmente quando estou no palco. Sou capaz de deglutir meu corpo, de ser visto como humano e trazer esse corpo até onde ele precisa estar como um ser mágico realista, ou como uma metáfora.
A curadoria de Joanesburgo é uma extensão física da conexão entre artistas da África Subsaariana que vivem com deficiências em uma série de workshops, masterclasses, conversas (podcasts), colaborações, textos e produção de novos trabalhos desenvolvidos no âmbito do arquivamento de pesquisas relacionadas a “Artes, deficiência, performances”. O projeto é concebido como um espaço experimental, performático e lúdico de troca e diálogo entre artistas e pensadores cujas práticas são dedicadas à justiça social e à deficiência. Quando falamos sobre o próprio processo artístico de Calvin, ele compartilha o que aprendeu sobre seu próprio ofício.
Calvin Ratladi: Assumo a posição de estudante primeiro. Volto e tento fazer conexões, com base em experiências incorporadas em mim e onde me encaixo no ambiente sociopolítico em que existimos. Pergunto como também me torno genuíno para mim mesmo, para as minhas experiências. O que faz um grande diretor? O que faz você pensar que sua visão é especial? É quando você precisa explorar sua experiência incorporada, sua lente, a maneira como você vê o mundo, e trazer tudo isso de uma forma que permita que você seja genuíno – e que possamos ser levados em uma jornada.
Estou intrigada com a escolha por trás da palavra “gathering” (encontro). Quando Calvin explica, a visão que sustenta sua abordagem vem à tona.
Calvin Ratladi: A intenção que está por trás de chamar o projeto de encontro vem do fato de que, quando nos encontramos na África, nos encontramos para fins sagrados, ritualísticos e cerimoniais – e aqui não é diferente. Neste caso nos encontramos para chegar a um ritual onde negociamos nossa volta ao conceito de humanidade. Quando chegamos para estar juntos, viemos por essas razões. Não estamos aqui para implorar – por favor, venham e coexistam com pessoas com deficiências. Vocês estão vindo para ver pessoas que vivem com deficiências em sua excelência. O maior sonho deste encontro é o livro que surge dele... Estudiosos são convidados a estar presentes e contribuir – todos os anos o encontro gera um livro para criar algo tangível para o arquivo. É um projeto lindo.
Sobre o projeto
“A Gathering in a Better World” (TGIABW) envolve séries interdisciplinares de workshops e masterclasses por um período de cinco dias, entre 1º e 5 de março de 2023. Esses workshops e masterclasses são voltados a artistas, pensadores e profissionais interessados na prática e performance totalmente inclusiva. O TGIABW convidou e reuniu para fazer parte do programa artistas e profissionais dos mais diversos campos de atuação. O programa envolve produção de teatro, escrita, coreografias, design, movimento e dança, entre outras disciplinas. O programa será apresentado por profissionais e educadores respeitáveis da África do Sul e de Moçambique. O resultado pretendido é a apresentação de um conceito para uma nova performance ao vivo, desenvolvida durante workshops e masterclasses, para exibição em espetáculo para o público. Essa apresentação resulta do trabalho de artistas experientes como Hlengiwe Lushaba Madlala, Chuma Sopotela, Nadine McKenzie, Andile Vellem, Teresa Phuti, Thulane Chauke, Nceba Gongxeka, Sello Sebotsane, Anathi Conjwa, Siphenati Mayekiso e Calvin Ratladi.
Fevereiro de 2023