Leandro Machado
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Natural de Porto Alegre/RS, Leandro Machado é formado em Artes Visuais e licenciado em Educação Artística pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Possui especialização em Saúde Mental, pela Escola de Saúde Pública de Porto Alegre – tendo na época como campo de residência o Hospital Psiquiátrico São Pedro.
Leandro Machado
Entrevista com Leandro Machado
Por Izis Abreu
Sua pesquisa poética para os impressos parte de vários questionamentos que emergem da experiência errante pela cidade. Você comentou que tem a cidade como matriz para suas impressões. Como se dá a escolha dos lugares, quais os materiais utilizados e como se dá o processo de produção das imagens?
A percepção da cidade como matriz para as impressões nasce de certa curiosidade sobre os elementos da natureza, os seres e as coisas – a matéria de que é construída a “cidade” e que lhe confere graus de singularidade. Níveis de sol, chuva, vento; topografia; altitude e distâncias; gente em seus fluxos e práticas; coisas atiradas à rua; flora; fauna...
Inicialmente escolhi lugares nas proximidades de onde habito e círculo, no Bom Fim – em sua maioria caminhos já conhecidos, portanto de certa intimidade, cotidianos. Também optei por utilizar os seguintes materiais, encontrados obviamente dentro do que foi possível e exigido: papéis sulfite e papeis empregados na caligrafia oriental; um tecido rústico com o tamanho de uma toalha de mão; uma luva de pano; uma sacola ecológica; alguma tinta de impressão tipográfica na cor preta; um lápis 6B; um cano plástico para o transporte das folhas; e em algumas saídas, estive muito bem acompanhado pela bicicleta. As gravuras foram construídas a partir da técnica da frotagem - essa possui variantes e jeitos de ser obtida. E a estratégia de trabalho em resumo foi a seguinte: após ter escolhido a superfície a qual desejava ver reproduzida, deitei sobre ela uma folha de papel e sobre essa folha passei a frotar, esfregando com o tecido já entintado, empregando maior ou menor pressão.
Você cria imagens do acúmulo de números coletados em suas andanças pelas ruas da cidade. Que outras relações e sentidos são impressos junto às imagens geradas?
Interessante perceber dentro desse contexto de Pandemia/Covid – 19/Quarentena a dimensão do trabalho, numa associação direta, ganhando ares de revelação. À medida que foi realizado num período anterior ao evento e estruturado sobre elementos que também foram resgatados no espaço de um cemitério. Para além disso, consigo imaginar como possibilidade assuntos próprios a quantidades; pessoas; signos e símbolos; imagens; objetos; códigos; construções mentais/sociais; memória; sonhos; ordenamentos; regimento das cidades/dos espaços públicos e privados; categorizações; enquadramentos; Ludus x Faber; criação; invenção; poesia; tempo; imposições; julgamentos; lei civil; código penal; privilégios; resistências; travessias; lutas; revoltas; nascimento e morte, lucros e dívidas, machismo, assassinatos, genocídios, massacres; desmatamento, poluição, impunidade, instituições bancárias, paraísos fiscais, fraudes, peculato, pequenas frações do infinito, células, aulas de matemática, notação musical, Tarot, os princípios da Cabala e os estudos de Pitágoras, passos, transparência, afastamento, saudade, coração, estrelas, asteroides, planetas...
Que outras possibilidades, para além da materialidade do objeto, o caminhar pela cidade propicia? Como o artista é tocado nesses percursos?
Propicia sentir, fazer parte, se por em relação, correr perigo, arriscar-se, aprender a dialogar com esse fluxo vivo. Arrepio-me nas vezes em que sou surpreendido por encontros fortuitos com gente que amo, aprecio. Gosto de raios lunares/solares. Gosto das áreas verdes; dos espaços de sombra; da presença dos pássaros; dos dias de domingo; do céu espaço aberto; da luz natural. Tenho respeito pelas formigas e por aquela que cantarola. Ademais, o lago; o morro; a brisa; a queda d'água; o bosque; o batuque; o peixe; o sabiá; o frio; a energia solicitada para subir uma ladeira... Dão a dimensão que me cabe e o limite ante as coisas do mundo.
Uma vez que suas pesquisas mais recentes têm relação direta com o espaço público, com o caminhar pela cidade, como sua produção artística tem sido atravessada pelas imposições da quarentena e de todo cenário que estamos vivenciando em função da Covid-19?
Bom, sem a intenção de partir do mundo nesse instante e porque desaprovo as ações tomadas pelo Desgoverno que hoje segue à frente do País - propiciando uma enormidade de consequências gravíssimas à população e ao território. Fisicamente me encontro isolado no espaço de um apartamento, mas conectado às pessoas da bolha que acredito fazer parte e buscando minimamente saber algumas das notícias do mundo, através da internet. No contexto em que vivo, o tempo voltou a aparentar desaceleração. Acabo como muitos dos que podem, pois privilegiados, olhando para dentro, alcançando as coisas que furam os olhos e arrumando a casa à espera de dias um pouco mais seguros.
Agosto, 2020