O jornalista e escritor Cicero Sandroni esteve quatro vezes na Alemanha, inclusive a convite do Goethe-Institut. Suas impressões como “Writer in Residence” em Staufen, cidade histórica de “Fausto”, estão presentes literariamente no conto “O Diabo só Chega ao Meio Dia” e na coletânea de contos de mesmo nome. No Rio de Janeiro, ele estava presente quando o Goethe-Institut Rio de Janeiro fundou o “Prêmio Goethe”, um prêmio para autoras e autores brasileiros, que tinham a chance de ganhar uma viagem à Alemanha.
Como aconteceu seu primeiro contato com o Goethe-Institut Rio de Janeiro? Ainda se lembra?
Nenem Krieger, que era responsável pelo trabalho de publicidade e pela programação cultural do Goethe-Institut Rio de Janeiro, convidou-me. Eu tinha uma coluna no Jornal do Brasil e Nenem me pediu ajuda para divulgar notícias sobre as atividades do Goethe-Institut, como conferências e ciclos cinematográficos, e sobre artistas originários da Alemanha. Virei admirador dos artistas alemães.
Isso também se reflete no fato de o senhor ser membro do conselho do Goethe-Institut.
O conselho costuma se reunir uma vez por ano para ser informado sobre as atividades do Goethe-Institut. Normalmente nós elogiamos. (Risos) O Goethe-Institut realiza um importante trabalho na divulgação da língua e cultura alemã. Meu contato era mais intenso quando o Dr. Ulrich Merkel era diretor do instituto. Edino Krieger divulgou a dodecafonia de Arnold Schönberg no Brasil. O número de cursos de língua e alunos aumentou. Na época, o instituto ficava no Castelo. Depois foi para a Cinelândia, local bem acessível em todas as direções.
Qual foi a importância disso?
O interesse pelo intercâmbio linguístico e cultural cresceu por causa das empresas alemãs. Dr. Everardo (Everardo Moreira Lima, hoje presidente do conselho) sempre me convidava para os eventos do Goethe-Institut, com artistas. Lembro especialmente de uma leitura do “Fausto”. Na época do Dr. Merkel, havia muitas atividades, inclusive um concurso para escritoras e escritores. A vencedora ou o vencedor do “Prêmio Goethe” podia ganhar uma viagem à Alemanha. Na época, o presidente do conselho era Antonio Houaiss, um dos grandes pensadores, que publicou um dicionário extraordinário. Na primeira edição do prêmio, houve um empate entre Antonio Calado e Autran Dourado.
O senhor próprio também teve oportunidade de conhecer a Alemanha?
Hans Bayer, adido cultural da Embaixada Alemã quando ela ainda ficava no Rio de Janeiro, ajudou muitas escritoras e muitos escritores a viajarem para a Alemanha, inclusive quem era perseguido. Também fui convidado, porém não pude aceitar o convite. Mas, ao todo, estive quatro vezes na Alemanha. Uma delas foi em 1965, com um grupo de 49 jornalistas latino-americanos, organizado pela agência de notícias Interpress Service; e em 1982, por iniciativa do Dr. Merkel, que convidou quatro jornalistas, inclusive eu. Também passei dois meses como “Writer in Residence” em Staufen, onde morei com alemães e tinha aula de alemão pela manhã com outros alunos do mundo inteiro.
Quais eram suas impressões e expectativas para essa viagem?
Aprendi na escola a ser um grande inimigo do nacional-socialismo e de Adolf Hitler. Como um povo tão culto pôde se deixar levar por uma figura como essa? Em 1965, quando fui à Alemanha pela primeira vez, eu tinha visto o filme “Die Stunde Null” (A Hora Zero) de Roberto Rosseliini. Esperava encontrar ruínas e fiquei impressionado ao ver tudo reconstruído. A única ruína que vi foi a “Gedächtniskirche” (Igreja Memorial) em Berlim.
O senhor também manifestou sua permanência lá de forma jornalística ou literária?
Em Staufen, criei uma história que deu o título à coletânea de contos “O Diabo só Chega ao Meio Dia” e que tem uma relação com Johann Wolfgang von Goethe – a história trata de um jornalista que viaja para Staufen, a cidade do histórico “Fausto”, e faz um pacto com o diabo (brasileiro). Ele quer fazer uma série de artigos sobre os “Verdes”, mas, de volta ao Brasil, trabalha para a indústria atômica. Outro conto desse livro, “O suicida”, foi publicado em alemão sob o título “Ein Selbstmörder” em uma antologia na Peter Hammer Verlag.
No início da ditadura militar, ainda ataquei bastante. Mas quando o Ato Institucional Nº 5 instaurou a censura completa, o Correio da Manhã foi fechado, os editores foram presos e eu fui impedido de exercer meu trabalho jornalístico. Procurei traduções e outros trabalhos para os quais me aceitavam. Quando aconteceu a abertura, pude voltar a escrever para o Jornal do Brasil sobre cultura e política e me dedicar totalmente à minha atividade literária.
O senhor continua envolvido com a língua e cultura alemã?
Depois da minha estadia na Alemanha, tentei aprender alemão no Goethe-Institut de novo. Espero que um dia eu ainda consiga dominá-lo. Mas já adquiri certa familiaridade. Quando leio “Der Tod in Venedig” (Morte em Veneza), consigo decifrar o texto. Não estou distante do alemão.